A falta do que fazer bem feita - Fabrício Carpinejar

Ernst Ludwig Kirchner 
A falta do que fazer bem feita

A felicidade não dura muito tempo. Talvez uma manhã, uma tarde, uma noite, dois dias. É mais intensidade do que duração.

Se você não tira o riso do rosto, é plástica ou está fingindo. Esconde a melancolia e se esforça para disfarçar.

Felicidade não é obsessão. Felicidade é se contentar com o que não deu certo também.

É a impossibilidade da frustração, é o antônimo da culpa.

Uma criança entende mais de felicidade porque não a entende.

O adulto, ao desejar ser feliz, já perde metade da felicidade (e a saudade rouba a segunda metade).

Felicidade é estar sensível, disponível, atento a qualquer distração; é uma predisposição a mudar de planos.

É uma vida que não depende de um objetivo para ser plena.

É combinar um cinema, declinar e ficar satisfeito por estar com a mulher no sofá. É desistir de uma festa e se orgulhar de um jantar caseiro. É marcar o alarme e dormir de conchinha mais vinte minutos.

Felicidade é preguiça. Não tem a ver com trabalho.

É se divertir, de forma inédita, com o que já realizou centenas de vezes.

É se contentar com pouco, quase nada, é querer somente o que já se tem.

É absolutamente sem motivo, sem planejamento.

A felicidade é a falta do que fazer bem feita. Não é pensar naquilo que não conseguimos, é agradecer o que redescobrimos.

É quando sua alma está com o bluetooh ativo para outras almas e é capaz de receber amizades sem mediação. Eu até diria que a felicidade é uma liberdade a dois.

Não se revela na emanação larga dos lábios e na sanfona dos dentes.

Quando o riso é redondo, perfeito, completo é um riso falso, riso para enganar, riso de proteção, riso para afastar intimidade.

O autêntico riso é imperfeito, infantil, retangular, carente, envergonhado. Pede o complemento de um abraço ou de um beijo.

Aliás, a gente ri mais com olhos do que com a boca. Já a gente chora mais com a boca do que com os olhos.

Quem é feliz tem um brilho macio nas pupilas. Há uma luminosidade no olhar que chama portas e janelas. Quem é triste não cansa de rir e procura piada em tudo.

Não se pode ser feliz sempre, eis o que absorvi em meus quarenta anos.


- Fabrício Carpinejar, publicado originalmente na revista “Vida Breve”, em 28.5.2014.

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