R. Magritte - the fire - 1943 |
poemas de jacques prévert (edição bilíngue)
Tantas florestas...
Tantas florestas arrancadas da terra
e massacradas
arrasadas
rotativadas
Tantas florestas sacrificadas para virar pasta
.............................. de papel
milhares de jornais chamando anualmente a atenção dos leitores para os perigos do desmatamento dos bosques e das florestas.
.
Tant de forêts...
Tant de forêts arrachées à la terre
Et massacrées
Achevées
Rotativées
Tant de forêts sacrifiées pour la pâte à papier
des milliards de journaux attirant annuellement l´attention des lecteurs sur les dangers du déboisement des bois et des forêts
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
§
A felicidade de uns
Peixes amigos amados
Amantes dos que foram pescados em tamanha quantidade
Vocês assistiram a essa calamidade
A esta coisa horrível
A esta coisa terrível
A este tremor de terra
A pesca milagrosa
Peixes amigos amados
Amantes dos que foram pescados em tamanha quantidade
Dos que foram pescados cozidos comidos
Peixes... peixes... peixes...
Como vocês devem ter rido
No dia da crucificação.
.
Le bonheur des uns
Poissons amis aimés
Amant de ceux qui furent pêchés en si grande quantité
Vous avez assisté à cette calamite
A cette chose horrible
A cette chose affreuse
A ce tremblement de terre
La pêche miraculeuse
Poisons amis aimés
Amants de ceux qui furent pêchés en si grande quantité
De ceux qui furent pêchés éboulillantés mangés
Poissons... poissons... poissons...
Comme vous avez dû rire
Le jour de la crucifixion.
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
§
O gato e o pássaro
Uma cidade escuta desolada
O canto de um pássaro ferido
É o único pássaro da cidade
E foi o único gato da cidade
Que o devorou pela metade
E o pássaro deixa de cantar
O gato deixa de ronronar
E de lamber o focinho
E a cidade prepara para o pássaro
Funerais maravilhosos
E o gato que foi convidado
Segue o caixãozinho de palha
Em que deitado está o pássaro morto
Levado por uma menina
Que não para de chorar
Se soubesse que você ia sofrer tanto
Lhe diz o gato
Teria comido ele todinho
E depois teria te dito
Que tinha visto ele voar
Voar até o fim do mundo
Lá onde o longe é tão longe
Que de lá não se volta mais
Você teria sofrido menos
Só tristeza e saudades
É preciso nunca fazer as coisas pela metade.
.
Le chat et l'oiseau
Un village écoute désolé
Le chant d'un oiseau blessé
C'est le seul oiseau du village
Et c'est le seul chat du village
Qui l'a à moitié dévoré
Et l'oiseau cesse de chanter
Le chat cesse de ronronner
Et de se lécher le museau
Et le village fait à l'oiseau
De merveilleuses funérailles
Et le chat qui est invité
Marche derrière le petit cercueil de paille
Où l'oiseau mort est allongé
Porté par une petite fille
Qui n'arrête pas de pleurer
Si j'avais su que cela te fasse tant de peine,
Lui dit le chat,
Je l'aurais mangé tout entier
Et puis j'aurais raconté
Que je l'avais vu s'envoler
S'envoler jusqu'au bout du monde
Là-bas où c'est tellement loin
Que jamais on n'en revient
Tu aurais eu moins de chagrin
Simplement de la tristesse et des regrets.
Il ne faut jamais faire les choses à moitié.
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
§
Familiar
A mãe faz tricô
O filho vai à guerra
Tudo muito natural acha a mãe
E o pai que faz o pai?
Negocia
A mulher faz tricô
O filho luta na guerra
Ele negocia
Tudo muito natural acha o pai
E o filho e o filho
o quê que o filho acha?
Nada absolutamente nada acha o filho
O filho sua mãe faz tricô seu pai negocia ele
[luta na guerra
Quando tiver terminado a guerra
Negociará com o pai
A guerra continua a mãe continua ela tricota
O pai continua ele negocia
O filho foi morto ele não continua mais
O pai e a mãe vão ao cemitério
Tudo muito natural acham o pai e a mãe
A vida continua a vida com o tricô a guerra
[os negócios
Os negócios a guerra o tricô a guerra
Os negócios os negócios e os negócios
A vida com o cemitério.
.
Familiar
A mãe faz tricô
O filho vai à guerra
Tudo muito natural acha a mãe
E o pai que faz o pai?
Negocia
A mulher faz tricô
O filho luta na guerra
Ele negocia
Tudo muito natural acha o pai
E o filho e o filho
o quê que o filho acha?
Nada absolutamente nada acha o filho
O filho sua mãe faz tricô seu pai negocia ele
[luta na guerra
Quando tiver terminado a guerra
Negociará com o pai
A guerra continua a mãe continua ela tricota
O pai continua ele negocia
O filho foi morto ele não continua mais
O pai e a mãe vão ao cemitério
Tudo muito natural acham o pai e a mãe
A vida continua a vida com o tricô a guerra
[os negócios
Os negócios a guerra o tricô a guerra
Os negócios os negócios e os negócios
A vida com o cemitério.
.
Familiale
La mère fait du tricot
Le fils fait la guerre
Elle trouve ça tout naturel la mère
Et le père qu'est-ce qu'il fait le père?
Il fait des affaires
Sa femme fait du tricot
Son fils la guerre
Lui des affaires
Il trouve ça tout naturel le père
Et le fils et le fils
Qu'est-ce qu'il trouve le fils?
Il ne trouve rien absolument rien le fils
Le fils sa mère fait du tricot son père des
[affaires lui la guerre
Quand il aura fini la guerre
Il fera des affaires avec son père
La guerre continue la mère continue elle
[tricote
La père continue il fai des affaires
Le fils est tué il ne continue plus
La père et la mère vont au cimetière
Ils trouvent ça naturel le père et la mère
La vie continue la vie avec le tricot la guerre
[des affaires
Les affaires la guerre le tricot la guerre
Les affaires les affaires et les affaires
La vie avec le cimitière.
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
§
Batismo de ar
Essa rua
outrora chamada de rua do Luxemburgo
por causa do jardim
Hoje é chamada de rua Guynemer
por causa de um aviador morto na guerra
No entanto
essa rua
é a mesma de sempre
o jardim é sempre o mesmo
é sempre o de Luxemburgo
Com alamedas... estátuas... fontes
Com árvores
árvores vivas
Com pássaros
pássaros vivos
Com crianças
todas as crianças vivas
Então a gente pergunta
a gente pergunta pra valer
por que um aviador morto foi ali meter o bedelho.
.
Le baptême de l'air
Cette rue
autrefois on l'appelait la rue du Luxembourg
à cause du jardin
Aujourd'hui on l'appelle la rue Guynemer
à cause d'un aviateur mort à la guerre
Pourtant
cette rue
c'est toujours la même rue
c'est toujours le même jardin
c'est toujours le Luxembourg
Avec les terrasses... les statues... les bassins
Avec les arbres
les arbres vivants
Avec les oiseaux
les oiseaux vivants
Avec les enfants
tous les enfants vivants
Alors on se demande
on se demande vraiment
ce qu'un aviateur mort vient foutre là-dedans
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
§
E Deus expulsou Adão...
E Deus expulsou Adão com golpes de cana-de-açúcar
E assim fabricou o primeiro rum na terra
E Adão e Eva cambalearam
pelos vinhedos do Senhor
a Santíssima Trindade os encurralava
mesmo assim continuaram cantando
com voz infantil de tabuada
Deus e Deus quatro
Deus e Deus quatro
E a Santíssima Trindade chorava…
Por cima do triângulo isóscele e sagrado
um biângulo isopicante brilhava
e eclipsava o outro.
de “Histoires” (1963)
.
Et dieu chassa adam
Et Dieu chassa Adam à coups de canne à sucre
Et ce fut le premier rhum sur la terre
È Eve trébuchèrent
dans les vignes du Seigneur
la sainte Trinité les traquait
mais ils s'obstinaient à chanter
d'une enfantine voix d'alphabet
Dieu et dieu quatre
Dieu et Dieu quatre
Et la sainte Trinité pleurait
Sur le triangle isocèle et sacré
un biangle isopoivre brillait
et l'éclipsait.
(D'autres histoires, 1963)
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
§
A pesca da baleia
À pesca da baleia, à pesca da baleia,
Dizia o pai com voz colérica
Ao seu filho Próspero, deitado ao lado do armário,
À pesca da baleia, à pesca da baleia,
Você não quer ir,
E por quê posso saber?
E por que irei, papai, pescar
Um animal que não me fez nada,
Vá velho, vá você mesmo pescá-la,
se isso lhe dá tanto prazer,
Prefiro ficar em casa com minha pobre mãe
E o primo Gastão.
Então na sua baleeira sozinho o pai se foi
Pelo mar encapelado…
Eis o pai no mar,
Eis o filho em casa,
Eis a baleia enraivecida,
E eis o primo Gastão que vira a sopeira,
A sopeira com caldo.
O mar estava bravo
A sopa estava boa.
E eis que Próspero sentado se entristece:
À pesca da baleia não fui
E por que não fui?
Talvez a gente a tivesse arpoado,
E então teria sido possível comê-la.
Mas eis que a porta se abre e, escorrendo água,
O pai aparece sem fôlego,
Trazendo a baleia às costas.
Joga o animal na mesa, uma bela baleia de olhos azuis,
Um animal como raramente se vê,
E diz com voz queixosa:
Depressa, vamos esquartejá-la,
Tenho fome, tenho sede, quero comer.
Mas eis que Próspero se levanta,
Olhando o pai no branco dos olhos,
No branco dos olhos azuis de seu pai,
Azuis como os da baleia de olhos azuis
E por que vou esquartejar um pobre animal que nada me fez?
Azar o meu, desisto da minha parte.
Depois joga a faca no chão
Mas a baleia pega da faca e, arremessando-se contra o pai,
Fura-o de um pai ao outro.
Ah, ah, diz o primo Gastão,
Isso me lembra a caça, a caça das borboletas.
E eis
Eis que Próspero que redige o aviso fúnebre,
A mãe que fica de luto pelo pobre marido
E a baleia com lágrimas nos olhos, contemplando o lar destruído,
grita de repente:
Por que matei esse pobre imbecil,
Agora os outros vão me caçar numa motogodile
E depois vão exterminar todos os meus.
Então, soltando uma gargalhada inquietante,
Caminha para a porta e diz
Casualmente à viúva:
Ó dona, se alguém me procurar,
Seja gentil e responda:
A baleia saiu,
Queira sentar
E esperar,
Dentro de uns quinze anos talvez esteja de volta…
de “Paroles” (1945)
.
La pêche à la baleine
À la pêche à la baleine, à la pêche à la baleine,
Disait le père d'une voix courroucée
À son fils Prosper, sous l'armoire allongé,
À la pêche à la baleine, à la pêche à la baleine,
Tu ne veux pas aller,
Et pourquoi donc?
Et pourquoi donc que j'irais pêcher une bête
Qui ne m'a rien fait, papa,
Va la pêpé, va la pêcher toi-même,
Puisque ça te plaît,
J'aime mieux rester à la maison avec ma pauvre mère
Et le cousin Gaston.
Alors dans sa baleinière le père tout seul s'en est allé
Sur la mer démontée...
Voilà le père sur la mer,
Voilà le fils à la maison,
Voilà la baleine en colère,
Et voilà le cousin Gaston qui renverse la soupière,
La soupière au bouillon.
La mer était mauvaise,
La soupe était bonne.
Et voilà sur sa chaise Prosper qui se désole :
À la pêche à la baleine, je ne suis pas allé,
Et pourquoi donc que j'y ai pas été?
Peut-être qu'on l'aurait attrapée,
Alors j'aurais pu en manger.
Mais voilà la porte qui s'ouvre, et ruisselant d'eau
Le père apparaît hors d'haleine,
Tenant la baleine sur son dos.
Il jette l'animal sur la table,
une belle baleine aux yeux bleus,
Une bête comme on en voit peu,
Et dit d'une voix lamentable:
Dépêchez-vous de la dépecer,
J'ai faim, j'ai soif, je veux manger.
Mais voilà Prosper qui se lève,
Regardant son père dans le blanc des yeux,
Dans le blanc des yeux bleus de son père,
Bleus comme ceux de la baleine aux yeux bleus :
Et pourquoi donc je dépècerais une pauvre bête qui m'a rien fait?
Tant pis, j'abandonne ma part.
Puis il jette le couteau par terre,
Mais la baleine s'en empare, et se précipitant sur le père
Elle le transperce de père en part.
Ah, ah, dit le cousin Gaston,
On me rappelle la chasse, la chasse aux papillons.
Et voilà
Voilà Prosper qui prépare les faire-part,
La mère qui prend le deuil de son pauvre mari
Et la baleine, la larme à l'oeil contemplant le foyer détruit.
Soudain elle s'écrie :
Et pourquoi donc j'ai tué ce pauvre imbécile,
Maintenant les autres vont me pourchasser en moto-godille
Et puis ils vont exterminer toute ma petite famille.
Alors éclatant d'un rire inquiétant,
Elle se dirige vers la porte et dit
À la veuve en passant:
Madame, si quelqu'un vient me demander,
Soyez aimable et répondez:
La baleine est sortie,
Asseyez-vous,
Attendez là,
Dans une quinzaine d'années, sans doute elle reviendra...
(Paroles, 1945)
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
§
'Pour faire le portrait d'un oiseau, de Jacques Prévert' - em 3 traduções de: Carlos Drummond de Andrade, Eugénio de Andrade e Silviano Santiago
Como pintar um pássaro
Para Elsa Henriquez
Pinte primeiro uma gaiola
com a porta aberta.
Em seguida pinte
alguma coisa graciosa,
alguma coisa simples,
alguma coisa bonita,
alguma coisa útil...
ao pássaro.
Depois, coloque a tela contra uma árvore
no jardim,
no bosque
ou na floresta
e esconda-se
atrás da árvores
sem dizer nada, sem se mexer.
Às vezes o pássaro chega logo,
mas pode levar muitos, muitos anos
até se resolver.
Não desanime,
espere.
Espere, se preciso, durante anos.
A velocidade ou a lentidão da chegada
do pássaro, não tem a menor relação
com a qualidade da pintura.
Quando ele chegar
(se chegar)
mantenha o mais profundo silêncio,
espere que ele entre na gaiola.
Depois que entrar,
feche lentamente a porta com o pincel.
Aí então
apague uma por uma todas as varetas.
(Cuidado para não esbarrar em nenhuma pena
do pássaro.)
Finalmente pinte a árvore,
reservando o mais belo de seus ramos
ao pássaro.
Pinte também a verde folhagem e a doçura do
vento,
a poeira do sol,
o rumorejo dos bichinhos da relva no calor da
estação.
Depois aguarde que o pássaro se decida a
cantar.
Se ele não cantar,
mau sinal:
sinal de que o quadro não presta.
Mas bom sinal, se ele canta:
sinal de que você pode assinar o quadro.
Então retire suavemente
uma pena do pássaro
e escreva o seu nome a um canto do quadro.
- Jacques Prévert. [tradução-homenagem de Carlos Drummond de Andrade]. in: Carlos Drummond de Andrade: Poesia traduzida". [organização e notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães]. Coleção Ás de colete, 20. São Paulo: Cosac Naif, 2011.
****
Para fazer o retrato de um pássaro
Pinta primeiro uma gaiola
com a porta aberta
pinta a seguir
qualquer coisa bonita
qualquer coisa simples
qualquer coisa bela
qualquer coisa útil
para o pássaro.
agora encosta a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou até numa floresta
esconde-te atrás da árvore
sem dizeres nada
sem te mexeres…
às vezes o pássaro não demora
mas pode também levar anos
antes que se decida.
Não deves desanimar
espera
espera anos se for preciso
a rapidez ou a lentidão da chegada
do pássaro não tem qualquer relação
com o acabamento do quadro.
Quando o pássaro chegar
se chegar
mergulha no mais fundo silêncio
espera que o pássaro entre na gaiola
e quando tiver entrado
fecha a porta devagarinho
com o pincel
depois
apaga uma a uma todas as grades
com cuidado não vás tocar nalguma das penas
Faz a seguir o retrato da árvore
escolhendo o mais belo dos ramos
para o pássaro
pinta também o verde da folhagem a frescura do vento
e agora espera que o pássaro se decida a cantar
se o pássaro não cantar
é mau sinal
é sinal que o quadro não presta
mas se cantar é bom sinal
sinal de que podes assinar
então arranca com muito cuidado
uma das penas do pássaro
e escreve o teu nome num canto do quadro
Pinta primeiro uma gaiola
com a porta aberta
pinta a seguir
qualquer coisa bonita
qualquer coisa simples
qualquer coisa bela
qualquer coisa útil
para o pássaro.
agora encosta a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou até numa floresta
esconde-te atrás da árvore
sem dizeres nada
sem te mexeres…
às vezes o pássaro não demora
mas pode também levar anos
antes que se decida.
Não deves desanimar
espera
espera anos se for preciso
a rapidez ou a lentidão da chegada
do pássaro não tem qualquer relação
com o acabamento do quadro.
Quando o pássaro chegar
se chegar
mergulha no mais fundo silêncio
espera que o pássaro entre na gaiola
e quando tiver entrado
fecha a porta devagarinho
com o pincel
depois
apaga uma a uma todas as grades
com cuidado não vás tocar nalguma das penas
Faz a seguir o retrato da árvore
escolhendo o mais belo dos ramos
para o pássaro
pinta também o verde da folhagem a frescura do vento
e agora espera que o pássaro se decida a cantar
se o pássaro não cantar
é mau sinal
é sinal que o quadro não presta
mas se cantar é bom sinal
sinal de que podes assinar
então arranca com muito cuidado
uma das penas do pássaro
e escreve o teu nome num canto do quadro
- Jacques Prévert. [tradução de Eugénio de Andrade].
****
Para pintar o retrato de um pássaro
Para Elsa Henriquez
Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer…
Às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insectos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.
de “Paroles” (1945)
- Jacques Prévert. 'Poemas'. [introdução, seleção e tradução de Silviano Santiago]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
****
Pour faire le portrait d'un oiseau
A Elsa Henriquez
Peindre d'abord une cage
avec une porte ouverte
peindre ensuite
quelque chose de joli
quelque chose de simple
quelque chose de beau
quelque chose d'utile
pour l'oiseau
placer ensuite la toile contre un arbre
dans un jardin
dans un bois
ou dans une forêt
se cacher derrière l'arbre
sans rien dire
sans bouger...
Parfois l'oiseau arrive vite
mais il peut aussi bien mettre de longues années
avant de se décider
Ne pas se décourager
attendre
attendre s'il le faut pendant des années
la vitesse ou la lenteur de l'arrivée de l'oiseau
n'ayant aucun rapport
avec la réussite du tableau
Quand l'oiseau arrive
s'il arrive
observer le plus profond silence
attendre que l'oiseau entre dans la cage
et quand il est entré
fermer doucement la porte avec le pinceau
puis
effacer un à un tous les barreaux
en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l'oiseau
Faire ensuite le portrait de l'arbre
en choisissant la plus belle de ses branches
pour l'oiseau
peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
la poussière du soleil
et le bruit des bêtes de l'herbe dans la chaleur de l'été
et puis attendre que l'oiseau se décide à chanter
Si l'oiseau ne chante pas
c'est mauvais signe
signe que le tableau est mauvais
mais s'il chante c'est bon signe
signe que vous pouvez signer
Alors vous arrachez tout doucement
une des plumes de l'oiseau
et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau.
(Paroles, 1945)
.
§
Jacques Prévert nasceu em 1900 em Neuilly-sur-Seine. Passou a juventude em Paris, onde exerceu diferentes ofícios antes de se ligar a artistas de vanguarda, ligados ao surrealismo. Relacionou-se com Marcel Duhamel, Yves Tanguy, Raymond Queneau, Georges Sadoul e muitos outros. Começou a escrever teatro no Grupo Outubro, escreveu poemas (em 1945 a colectânea Paroles obteve um enorme sucesso), fez colagens, compôs canções (mais tarde interpretadas, entre outros, por Juliette Gréco, Yves Montand, Mouloudji e os Frères Jacques). Trabalhou no cinema e é autor de inúmeros argumentos, nomeadamente para Marcel Carné (Drole de Drame, Quai des Brumes, Les Visiteurs du Soir, Les Enfants du Paradis), Jean Renoir (Le Crime de Monsieur Lange) ou para o seu irmão Pierre Prévert (L'Affaire est dans le Sac).
Morreu na aldeia de Omonville le Petit em 1977.
Fonte: Poetecia
Outros cantos:
© Direitos reservados aos herdeiros
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva
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