Vincent van Gogh - View of Arles with Irises, 1888 |
Eu sou
Eu sou, mas o que eu sou quem cuida ou sabe?
Em meus amigos um lembrar perdido.
Gastar as minhas mágoas a mim cabe -
erguem-se e passam num revoar esquecido,
sombras de amor que a própria ânsia esmaga -
mas sou, e vivo - como névoa vaga
lançada ao nada de uma vácua lida,
ao vivo mar dos sonhos acordados,
onde não há qualquer senso da vida,
mas o naufrágio só dos bens passados.
Até os mais caros, meu amor mais fundo,
estranhos me são, ou mais que todo o mundo.
Anseio terras que ninguém pisou,
onde mulher nunca sorriu nem chora,
e onde me unir ao Deus que me criou,
para dormir como na infância outrora -
sem que nenhum cuidado seja meu:
erva por baixo, e acima o curvo céu.
.
I am
I am! yet what I am who cares, or knows?
My friends forsake me like a memory lost.
I am the self-consumer of my woes;
They rise and vanish, an oblivious host,
Shadows of life, whose very soul is lost.
And yet I am—I live—though I am toss’d
Into the nothingness of scorn and noise,
Into the living sea of waking dream,
Where there is neither sense of life, nor joys,
But the huge shipwreck of my own esteem
And all that’s dear. Even those I loved the best
Are strange—nay, they are stranger than the rest.
I long for scenes where man has never trod—
For scenes where woman never smiled or wept—
There to abide with my Creator, God,
And sleep as I in childhood sweetly slept,
Full of high thoughts, unborn. So let me lie,—
The grass below; above, the vaulted sky.
- John Clare, em "Poesia de 26 séculos". Antologia. [tradução, prefácio e notas de Jorge de Sena]. Edições ASA, 2001.
§
O lavrador assustado
Eu fui para o campo na folga que tive;
O estranho talvez riu, não cheguei a ver;
A choça, pronta pra abrigar-me de chuva;
E o livro em meu bolso foi lido sem mora.
O pássaro abrigou-se, mas logo foi embora;
O cavalo veio ver, e alegre quedou,
Parecendo ouvir o poema que eu lia.
O lavrador talvez volte após a lida
Pensamento a que tinha vindo aquele ser,
Sentado a um canto, lendo, o dia todo,
A gargalhar ao fim de cada leitura.
Outro pássaro sobrevoou, e se debruça
Onde o corvo grita feito um camponês;
A cotovia no alto me efeitiçou,
Então sentei e me uni à melodia.
Eu bem pude aturar o tosco campônio:
Seu louvor nada vale, sua censura é inútil;
A fama atiçou-me, e lidei todo o dia
Té os campos poderem viver no meu poema.
.
The frightened ploughman
I went in the fields with the leisure I got,
The stranger might smile but I heeded him not,
The hovel was ready to screen from a shower,
And the book in my pocket was read in an hour.
The bird came for shelter, but soon flew away;
The horse came to look, and seemed happy to stay;
He stood up in quiet, and hung down his head,
And seemed to be hearing the poem I read.
The ploughman would turn from his plough in the day
And wonder what being had come in his way,
To lie on a molehill and read the day long
And laugh out aloud when he'd finished his song.
The pewit turned over and stooped oer my head
Where the raven croaked loud like the ploughman ill-bred,
But the lark high above charmed me all the day long,
So I sat down and joined in the chorus of song.
The foolhardy ploughman I well could endure,
His praise was worth nothing, his censure was poor,
Fame bade me go on and I toiled the day long
Till the fields where he lived should be known in my song.
- John Clare [tradução Luís Augusto Fischer]. in: Alguns poemas do britânico John Clare. por Luís Augusto Fischer. Revista Organon - tradução literária em exercício, v. 7, n. 20, 1993.
§
Fragmento
A linguagem não consegue dizer o que o Amor prescreve:
A alma jaz enterrada na tinta que escreve.
.
Fragment
Language has not the power to speak quat love indites:
The sould lies buried in the ink that writhes.
- John Clare [tradução Luís Augusto Fischer]. in: Alguns poemas do britânico John Clare. por Luís Augusto Fischer. Revista Organon - tradução literária em exercício, v. 7, n. 20, 1993.
§
Agora é passado
Agora é passado – o feliz agora
Quando junto caminhámos
Sob o ramo do carvalho da floresta
E a natureza disse que nos amávamos.
A rajada do Inverno
O agora desde então rastejou
Por entre nós e separou-nos.
Invernos que murcharam todo o verde
Gelaram o bater do coração.
Agora é passado.
Agora é passado desde que por último nos encontrámos
Sob o ramo da aveleira;
Antes que o sol da tarde se pusesse
A sombra dela estendeu-se sobre a terra.
A rajada do Outono
Manchou e definhou cada ramo;
Morangos silvestres como os lábios dela
Deixaram os musgos verdes do chão
E a flor que ela tinha sobre as ancas.
Agora é passado.
Agora é passado, mudado e envelhecido,
As florestas e os campos estão pintados de novo.
Morangos silvestres que ambos colhemos então,
Nenhum de nós sabe agora onde cresciam.
O céu está nublado
Os morangos desapareceram da entrada da floresta
Todas as folhas verdes se tornaram amarelas;
Adelaide já não percorre os caminhos da floresta,
O amor verdadeiro não tem com quem deitar-se.
Agora é passado.
.
Now Is past
Now is past – the happy now
When we together roved
Beneath the wildwood’s oak-tree bough
And Nature said we loved.
Winter’s blast
The now since then has crept between,
And left us both apart.
Winters that withered all the green
Have froze the beating heart.
Now is past.
Now is past since last we met
Beneath the hazel bough;
Before the evening sun was set
Her shadow stretched below.
Autumn’s blast
Has stained and blighted every bough;
Wild strawberries like her lips
Have left the mosses green below,
Her bloom’s upon the hips.
Now is past.
Now is past, is changed agen,
The woods and fields are painted new.
Wild strawberries which both gathered then,
None know now where they grew.
The skys oercast.
Wood strawberries faded from wood sides,
Green leaves have all turned yellow;
No Adelaide walks the wood rides,
True love has no bed-fellow.
Now is past.
- John Clare [tradução Cecília Rego Pinheiro]. Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro. [direção editorial Manuel Hermínio Monteiro; organização Manuela Correia; tradutores vários]. Porto: Assírio e Alvim, 2001.
§
John Clare, por William Hilton |
John Clare (nascido em Helpston, perto de Peterborugh, 13 de julho de 1793 – falecido em Northampton, 20 maio de 1864). poeta inglês.
saiba mais em:
FISCHER, Luís Augusto. Alguns poemas do britânico John Clare. in: Revista Organon - tradução literária em exercício, v. 7, n. 20, 1993. Disponível no link. (acessado em 20.9.2016).
PIRES, Maria João. Os caminhos da percepção poética: para uma leitura de John Clare. Universidade de Lisboa. Disponível no link. (acessado em 20.9.2016).
Outras fontes:
:: John Clare - Poetry Foundation
:: John Clare Poems - Poem Hunter
© Obra em domínio público
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva
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