O outro - Carlos Drummond de Andrade

©Taryn Knight

O outro

Na redação, o secretário fazia a cozinha do jornal, quando a senhora, não primaveril, mas ainda não invernosa, dele se aproximou timidamente. E sacando da bolsa um recorte de suplemento, perguntou-lhe se sabia o endereço de Emílio Moura, autor dos versos ali estampados.
O secretário explicou-lhe que o assunto era da competência do Silva, encarregado da seção literária. O Silva não ia demorar, estava na hora dele. Não queria sentar-se, esperar?
Ela recolheu cuidadosamente o fragmento e dispôs-se a aguardar o Silva, que, como acontece nessas ocasiões, tardou um pouquinho. Mas que tardasse dois anos, não fazia diferença, a julgar pelo semblante da senhora, de paciente determinação.
Diante do Silva, exibiu novamente o papelzinho e fez-lhe a pergunta.
— Endereço do Emílio Moura? Pois não, minha senhora. Com licença, deixe ver aqui no caderninho: rua tal, número tal, em Belo Horizonte…
O rosto da senhora se transfigurou:
— Belo Horizonte? O senhor tem certeza de que ele está em Belo Horizonte?
— Se está, no momento, não sei, minha senhora. Mas sempre morou lá, isso eu posso lhe garantir.
Nova mutação se operou na fisionomia da visitante, onde o desaponto parecia querer instalar-se, mas era combatido pela dúvida:
— O senhor… o senhor conhece pessoalmente Emílio Moura?
— Conheço, sim. Há muitos anos.
— Muitos? Que idade tem ele, mais ou menos?
— Fez cinquenta há pouco tempo, a senhora não leu nos jornais a comemoração?
— Tem certeza de que não está enganado? Perdoe a insistência, mas podia me fazer o retrato físico de Emílio Moura?
— Perfeitamente. Trata-se de um senhor alto, magro, cabelos ainda pretos, pequena costeleta, bigodinho, usa piteira e fuma cigarro de palha. Que mais? Meio calado, extremamente simpático, muito querido por todos. Completo a ficha: professor da Universidade, casado, com filhos.
A senhora olhava para o papel, dobrava-o, esboçava o gesto de jogá-lo fora, depois o desdobrava e alisava com carinho. E, na ponta de um longo silêncio:
— Sr. Silva, este pedacinho de jornal me trouxe uma grande esperança e agora uma profunda decepção. Muito obrigada. Desculpe.
Ia retirar-se, sem que o Silva compreendesse níquel, mas voltou-se, e rapidamente desfolhou esta confidência:
— Há quatro anos ando à procura de Emílio Moura. Éramos muito amigos, ele fazia versos lindos, que eu, na qualidade de sua maior amiga, lia em primeira mão. Um dia, contou-me que ia viajar para Montevidéu, onde ficaria algum tempo. Escreveu-me de lá duas vezes, e da segunda anunciava que seguiria para o Canadá. Nunca mais tive a menor notícia. Ninguém sabe informar nada. Quando li no jornal esta poesia com o nome dele, fiquei cheia de esperança, mas agora não sei o que pensar. O senhor me diz que Emílio Moura tem cinquenta anos e é professor em Belo Horizonte. O que eu conheço tem trinta e dois anos e nunca morou em Minas, que eu saiba, mas como os versos dele são parecidos com estes que o seu jornal publicou! A mesma doçura, uma sensação de fim de tarde, meio triste, o senhor não imagina… Enganei-me. Desculpe mais uma vez, e passe bem, sr. Silva.
Saiu, levando nas mãos o papelzinho, como uma flor.

— Carlos Drummond de Andrade, no livro "Fala, amendoeira". São Paulo: Companhia das Letras, 2012


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