Machado de Assis, por Abel Costa |
Entrevista com Machado de Assis
São trechos de um programa de televisão em que Machado de Assis é entrevistado 50 anos depois de sua morte. Suas respostas são frases que ele mesmo escreveu em crônicas, contos ou romances.
Repórter — O senhor gostava muito de jogar xadrez com o maestro Artur Napoleão, não é verdade?
Machado — “O xadrez, um jogo delicioso, por Deus! Imaginem da anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia...”
— Por falar em comer, é verdade que o senhor era vegetariano?
— “... eu era carnívoro por educação e vegetariano por princípio. Criaram-me a carne, mais carne, ainda carne, sempre carne. Quando cheguei à idade da razão e organizei o meu código de princípios, incluí nele o vegetarianismo; mas era tarde para a execução. Fiquei carnívoro.”
— Que tal acha o nome da Capital de Minas?
— “Eu, se fosse Minas, mudava-lhe a denominação. Belo Horizonte parece antes uma exclamação que um nome.”
— E a respeito da ingratidão?
— “Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar.”
— E a imprensa de escândalo?
— “O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado.”
— E esses camaradas que estão sempre na oposição?
— “O homem, uma vez criado, desobedeceu logo ao Criador, que aliás lhe dera um paraíso para viver; mas não há paraíso que valha o gosto da oposição.”
— E o trabalho?
— “O trabalho é honesto, mas há outras ocupações pouco menos honestas e muito mais lucrativas.”
— E a herança?
— “Há dessas lutas terríveis na alma de um homem. Não, ninguém sabe o que se passa no interior de um sobrinho, tendo de chorar a morte de um tio e receber-lhe a herança. Oh, contraste maldito! Aparentemente tudo se recomporia, desistindo o sobrinho do dinheiro herdado; ah! mas então seria chorar duas coisas: o tio e o dinheiro.”
— E a loteria?
— “Loteria é mulher, pode acabar cedendo um dia.”
— O senhor já ouviu falar da cantora Leny Eversong?
— “Quando eu era moço e andava pela Europa, ouvi dizer de certa cantora que era um elefante que engolira um rouxinol.”
— E sobre dívidas?
— “Que é pagar uma dívida? É suprimir, sem necessidade urgente, a prova do crédito que um homem merece. Aumentá-la é fazer crescer a prova.”
— Pode me dar uma boa definição do amor?
— “A melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada.”
— E as brigas de galos?
— “A briga de galos é o Jockey Club dos pobres.”
— O amor dura muito?
— “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.”
— E a honestidade?
— “Se achares três mil-réis, leva-os à polícia; se achares três contos, leva-os a um banco.”
— E o Brasil?
— “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco.”
— E o sono?
— “Dormir é um modo interino de morrer.”
— E os filhos?
— “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
— Muito obrigado, o senhor é muito franco em suas respostas.
— “A franqueza é a primeira virtude de um defunto.”
— De qualquer modo, desculpe por havê-lo incomodado. Mas é que neste programa sempre entrevistamos alguém que já morreu...
— “Há tanta coisa gaiata por esse mundo que não vale a pena ir ao outro arrancar de lá os que dormem...”
Rio, outubro, 1958.
— Rubem Braga, no livro “Ai de ti, Copacabana”. Rio de Janeiro: Record, 2010.
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