© Dê Almeida |
Perfeição
Nada no mundo é perfeito.
Começando pelas pessoas, modelos vivos das imperfeições mais variadas. O que elas fazem não bate com o que elas falam que está longe do que elas sentem ou pensam. Se acertam aqui, pode apostar que errarão ali na frente. Ninguém é perfeito por mais de dez minutos.
Erram também os que pensam que existe perfeição na natureza. Desde quando? As árvores não são cones exatos, as pétalas das flores não são idênticas, os planetas não são esferas perfeitas nem giram em órbitas geometricamente previsíveis. Nada no mundo é tão quadrado, redondo e simétrico como aprendemos.
E a culpa é da matemática que nos fez acreditar que tudo que havia no céu e na terra se encaixava nas fórmulas que ela inventou.
O ideal de perfeição só serve para vermos quão distantes estamos dele e assim medirmos o tamanho da nossa humanidade.
Por exemplo, a que distância nossa democracia se situa da democracia ideal inventada pelos gregos? A que distância estava a democracia vivida pelos gregos da que eles próprios inventaram?
Assim caminha a humanidade: medindo quanto falta pra chegar ao modelo de perfeição que ela inventou pra si. Melhor dizendo, ao modelo de perfeição que ela inventou pra si naquele momento, porque a perfeição flutua mais que barco de papel sobre ondas bravias.
Ela é tão somente uma remotíssima possibilidade; a imperfeição é a regra.
Os casamentos imperfeitos são os que duram mais, os rostos imperfeitos são os que mais nos atraem, as plantas imperfeitas são as mais resistentes.
Quanto tempo dura uma rosa? Vale a pena ser bonita assim? O amor-perfeito não dura um mês.
A perfeição é natureza morta.
Os quadros imperfeitos têm muito mais humanidade. As sinfonias imperfeitas nos fazem chorar. Toda obra de arte que se preze tem que ter alguma coisa que você acha que não tá legal.
Sabia que os tapetes persas (os verdadeiros, claro) têm sempre um ponto malfeito, de propósito, só pra lembrar que a perfeição não existe? Já as imitações são perfeitas!
Aliás, este é axioma: tudo que é perfeito é falso.
Os imperadores romanos tinham um escravo que ia ao lado dele nos desfiles só para, enquanto a cidade inteira os ovacionava, ficar falando no seu ouvido: “Não é nada disso. Eles estão mentindo. Você é uma droga de imperador. Seu império não vale uma dracma furada. Você é baixinho, gordo, corno”. Não é genial? Ah se…
Chega de sacrifícios pra ser a esposa perfeita, a mãe perfeita, a filha perfeita, a amiga perfeita, ter a bunda perfeita. Bobagem! Somos uma somatória de erros que acabaram dando certo.
E vamos comemorar o fato. Afinal, a perfeição, assim como a inveja, é uma merda.
- Ivana de Arruda Leite (publicado originalmente na revista “Vida Breve”, em 22.2.2015).
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