Marianne Moore - poemas

Gustav Klimt - flower-garden - 1907
poemas de marianne moore (edição bilíngue)

Marianne Moore em tradução de José Antônio Arantes

Poesia 
Também não gosto.
     Lendo-a, no entanto, com total desprezo, a
                              [ gente acaba descobrindo
     nela, afinal de contas, um lugar para o genuíno.
.

Poetry 
I, too, dislike it.
     Reading it, however, with a perfect contempt
                                  [ for it, one discovers in

     it, after all, a place for the genuine.
- Marianne Moore, Poemas. [tradução e posfácio José Antônio Arantes; Seleção de João Moura Junior]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

§

Os peixes
vade-
ando negro jade.
               Das conchas azul-corvo, um marisco
               só ajeita os montes de cisco;
                                 no que vai se abrindo e fechando

é que
nem ferido leque.
               Os crustáceos que incrustam o flanco
               da onda ali não encontram canto,
                                 porque as setas submersas do

sol,
vidro em fibras sol-
               vidas, passam por dentro das gretas
               com farolete ligeireza –
                                 iluminando de vez em

vez
o oceano turquês
               de corpos. A correnteza crava
               na quina férrea da fraga
                                 uma cunha de ferro; e estrelas,

grãos
de arroz róseos, mães-
               d’água tintas, siris que nem lírios
               verdes e fungos submarinos
                                 vão deslizando uns sobre os outros.

As
marcas externas
               de mau-trato estão todas presentes
               neste edifício resistente –
                                 todo resquício material

de a-
-cidente – ausência
               de cornija, machadadas, queima e
               sulcos de dinamite – teima em
                                 ressaltar; já não é o que era

cova.
Repetida prova
               demonstrou que ele pode viver
               do que não pode reviver
                                 seu viço. O mar nele envelhece.
.

The fish
wade
through black jade.
               Of the crow-blue mussel-shells, one keeps
               adjusting the ash-heaps;
                                 opening and shutting itself like

an
injured fan.
               The barnacles which encrust the side
               of the wave, cannot hide
                                 there for the submerged shafts of the

sun,
split like spun
               glass, move themselves with spotlight swiftness
               into the crevices—
                                 in and out, illuminating

the
turquoise sea
               of bodies. The water drives a wedge
               of iron through the iron edge
                                 of the cliff; whereupon the stars,

pink
rice-grains, ink-
               bespattered jelly fish, crabs like green
               lilies, and submarine
                                 toadstools, slide each on the other.

All
external
               marks of abuse are present on this
               defiant edifice—
                                 all the physical features of

ac-
cident—lack
               of cornice, dynamite grooves, burns, and
               hatchet strokes, these things stand
                                 out on it; the chasm-side is

dead.
Repeated
               evidence has proved that it can live
               on what can not revive

                                 its youth. The sea grows old in it.
- Marianne Moore, Poemas. [tradução e posfácio José Antônio Arantes; Seleção de João Moura Junior]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

§

Não há cisne tão lindo
“Não há água tão quieta quanto as
fontes mortas de Versailles.” Não há cisne,
de olhar cego bistre oblíquo
e pernas gondoleantes, tão lindo
quanto o de louça com chintz,
de olhos cor de corça e coleira
de ouro denteada a indicar de quem foi.
Alojado no candelabro de
Luís XV, com botões no matiz de
crista-de-galo, com dálias,
ouriços-do-mar e sempre-vivas,
no mar de ramalhetes de
polidas e esculpidas flores
ele pousa livre e altivo. O rei é morto.
.

No swan so fine
“No water so still as the
dead fountains of Versailles.” No swan,
with swart blind look askance
and gondoliering legs, so fine
as the chintz china one with fawn-
brown eyes and toothed gold
collar on to show whose bird it was.
Lodged in the Louis Fifteenth
candelabrum-tree of cockscomb-
tinted buttons, dahlias,
sea-urchins, and everlastings,
it perches on the branching foam
of polished sculptured
flowers – at ease and tall. The king is dead.
- Marianne Moore, Poemas. [tradução e posfácio José Antônio Arantes; Seleção de João Moura Junior]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

§
Marianne Moore - foto: Avedon

A um caracol
Se “compressão é a graça principal do estilo”,
você a tem. Contratilidade é uma virtude
como modéstia é uma virtude.
Não é a aquisição de uma coisa qualquer
capaz de enfeitar,
ou a propriedade acidental que ocorre
como complemento de algo bem dito,
que prezamos no estilo,
mas o princípio oculto:
na ausência de pés, “um método de conclusões”;
“um conhecimento de princípios”,
no curioso fenômeno de sua antena occipital.
.

To a snail
If “compression is the first grace of style”,
you have it. Contractility is a virtue
as modesty is a virtue.
It is not the acquisition of any one thing
that is able to adorn,
or the incidental quality that occurs
as a concomitant of something well said,
that we value in style,
but the principle that is hid:
in the absence of feet, “ a method of conclusions”;
“a knowledge of principles”,
in the curious phenomenon of your occipital horn.
- Marianne Moore, Poemas. [tradução e posfácio José Antônio Arantes; Seleção de João Moura Junior]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

§

Ao pavão da França
Ao “cuidar de seus bens assim que os avistou”, tornou-se um papagaio de ouro.
Disse o bufão que seu encanto o encanto dele roubou,
mas não a cor? A cor, sim, quando lhe agradava.
Do cenário esculpido e do corante negro-opalescente,
você era a joia do senso;
senso, não licença; só seguiu a esteira
da liberdade na feira
e na corte. Moliére,
o repertório confuso de sua primeira aventura, é seu próprio affaire.
“Anacoretas não moram em teatros”, e pavões não florescem em cela.
Por que motivo fazer distinções? O resultado era
bom se você estava no palco; nem seus êxitos
foram conseguidos com o horrível sacrifício da premência.
Odiava a impostura; dava-se
a discursos pela convenção do excesso;
do rei teve o amor expresso,
ou do mundo, em benefício
do qual, e para o espontâneo deleite do qual, sua vasta cauda abriu-se.
.

To the peacock of France
In “taking charge of your possessions when you saw them” you became a golden jay.
Scaramouche said you charmed his charm away,
but not his color? Yes, his color when you liked.
Of chiseled setting and black-opalescent dye,
you were the jewelry of sense;
of sense, not license; you but trod the pace
of liberty in market-place
and court. Molière,
the huggermugger repertory of your first adventure, is your own affair.
“Anchorites do not dwell in theatres”, and peacocks do not flourish in a cell.
Why make distinctions? The results were well
when you were on the boads; nor were your triumphs bought
at horrifying sacrifice of stringency.
You hated sham; you ranted up
and down through the conventions of excess;
nor did the King love you the less
nor did the world,
in whose chief interest and for whose spontaneous delight, your broad tail was unfurled.
- Marianne Moore, Poemas. [tradução e posfácio José Antônio Arantes; Seleção de João Moura Junior]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

§
Marianne Moore

Marianne Moore em tradução de Augusto de Campos

Poesia
Eu também a abomino: há coisas mais importantes do que todo esse desatino.
   Lendo-a, todavia, com total desdém, é possível que se presuma
   ali, afinal, um lugar para o genuíno.
     Olhos dilatados, frio
    nas mãos, arrepio,
       nos cabelos, essas coisas não são importantes porque uma

interpretação altissonante as pode moldar, mas porque são
    úteis. Quando elas se tornam tão derivativas a ponto de ficarem ininteligíveis,
   o mesmo vale para todos nós, a gente
     não sente
    o que não entende; morcego de ponta-
       cabeça à busca de alguma

janta, tranco de elefantes, pinote de potranca, lobo sem des-
    canso à caça, o indefectível crítico a torcer
    a pele como um cavalo com pulgas, o fã de beise-
       bol, o estatístico,
       nem é lícito
         discriminar “os documentos comerciais e os

livros escolares”, todos esses fenômenos são importantes. Com uma distinção,
   porém; quando enaltecidos por semipoetas, o resultado não é poesia,
   nem até que os nossos poetas possam ser
      “literalistas da
      imaginação” – desistam da
        insolência e da trivialidade e possam oferecer

para inspeção, “jardins imaginários com sapos reais”, chegaremos a obtê-
      la. Nesse ínterim, se você demandar, por uma via,
     a matéria bruta da poesia em
         toda a sua bruteza e,
        por outra via, o que é
            genuíno, então você se interessa por poesia. 
.

Poetry
I, too, dislike it: there are things that are important beyond all this fiddle.
    Reading it, however, with a perfect contempt for it, one discovers in
     it, after all, a place for the genuine.
       Hands that can grasp, eyes
      that can dilate, hair that can rise
          if it must, these things are important not because a

high-sounding interpretation can be put upon them but because they are
    useful. When they become so derivative as to become unintelligible,
   the same thing may be said for all of us, that we
     do not admire what
      we cannot understand: the bat
           holding on upside down or in quest of something to

eat, elephants pushing, a wild horse taking a roll, a tireless wolf under
     a tree, the immovable critic twitching his skin like a horse
    that feels a flea, the baseball
   fan, the statistician −
     nor is it valid
         to discriminate against “business documents and

school-books”; all these phenomena are important. One must make a distinction
     however: when dragged into prominence by half poets, the result is not poetry,
     nor till the poets among us can be
   “literalists of
    the imagination” − above
       insolence and triviality and can present

for inspection, “imaginary gardens with real toads in them,” shall we have
     it. In the meantime, if you demand on the one hand,
    the raw material of poetry in
   all its rawness and
    that which is on the other hand
         genuine, you are interested in poetry
Marianne Moore [tradução Augusto de Campos]. em "Outro". Augusto de Campos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2015. (publicado originalmente na revista Musa Rara, em 8.3.2012)

§


Poesia
Eu também a abomino.
   Lendo-a, porém, com total desdém, a gente des-
   cobre ali, afinal, um lugar para o genuíno.
.

Poetry
I, too, dislike it.
    Reading it, however, with a perfect contempt for it, one discovers in

    it, after all, a place for the genuine.
Marianne Moore [tradução Augusto de Campos]. em "Outro". Augusto de Campos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2015. (publicado originalmente na revista Musa Rara, em 8.3.2012)


§

Poeta, de Marianne Moore, em 'intradução' de Augusto de Campos
 (publicado originalmente na revista Musa Rara, em 8.3.2012)


Poetry, de Marianne Moore, em 'intradução' de Augusto de Campos
 (publicado originalmente na revista Musa Rara, em 8.3.2012)
§

Arthur Mitchell
Libélula sutil
rápida demais para o olho
     enjaular —
gema contagiosa de virtuosidade —
visibiliza a mentalidade.
Tuas mobilidades de esmeralda

      revelam
           e velam
                pavão e cauda.
 .

 Arthur Mitchell
 Slim dragonfly toorapid for the eye
       to cage —
  contagious gem of virtuosity —
          make visible, mentality.
          Your jewels of mobility

     reveal
                    and veil
                         a peacock-tail.
- Marianne Moore [tradução Augusto de Campos]. publicado originalmente na revista Zunái.
*Arthur Mitchell,  1934 – famoso dançarino negro americano de música moderna.

§

Água-viva
Visível, invisível,
    um encanto flutuante
uma ametista âmbar-viva
    a habita, teu braço
se aproxima e ela abre
   e fecha; o pensamento
de agarrá-la e  ela estremece;
   abandonas teu intento.
.

A jelly-fisch
Visible, invisible,
  a fluctuating charm
an amber-tinctured amethyst
  inhabits it, your arm
approaches and it opens
  and it closes; you had meant
to catch it and it quivers;
  you abandon your intent.
- Marianne Moore [tradução Augusto de Campos]. publicado originalmente na revista Zunái.

§

Uma garrafa egípcia de vidro
em forma de peixe
Há uma sede, que  cresce,
desde o início,  da paciência
    e da arte, como se uma onda se detivesse
    na perpendicularidade de sua essência;

não frágil, todavia,
intensa — o espectro em seu feixe
    de cores, e, espetacular e ágil, o peixe,
    espelho-escamas onde a espada do sol se desvia.
.

An egyptian pulled glass bottle
in the shape of fisch
Here we have thirst
and patience, from the first,
and art, as in a wave held up for us to see

     in its essential perpendicularity;

not brittle but
intense—the spectrum, that
    spectacular and nimble animal the fish, 

    whose scales turn aside the sun's sword by their polish.
- Marianne Moore [tradução Augusto de Campos]. publicado originalmente na revista Zunái.

§

Não há cisne tão belo
"Não há água tão quieta como as
   fontes mortas de Versalhes”. Nem cisne tão
belo, esguio olhar cego de esguelha
e pernas gondoleantes, como
   esse de porcelana com olhos foscos
de fauno e um colar  auridenteado
para testificar de quem foi esta ave.

Encastoado numa árvore-candelabro
   Luis XV com botões em flor
cor de cristal-de-galo, dálias,
ouriços do mar e semprevivas,
   pousa em galhos de espuma, horto
de esculturadas e polidas
flores — altivo e plácido. O rei está morto.
.

No swan so fine
“No water so still as the
   dead fountains of Versailles." No swan,
with swart blind look askance
              and gondoliering legs, so fine
   as the chinz china one with fawn-
brown eyes and toothed gold
collar on to show whose bird it was.

Lodged in the Louis Fifteenth
   candelabrum-tree of cockscomb-
tinted buttons, dahlias,
sea-urchins, and everlastings,
   it perches on the branching foam
of polished sculptured
flowers — at ease and tall. The king is dead.
- Marianne Moore [tradução Augusto de Campos]. publicado originalmente na revista Zunái.

§

Marianne Moore em tradução de Maria Lourdes Guimarães

Para uma ave presa
Convéns-me, pois nem sequer te tomo a sério,
e não ficas cega pela palha que rodopia
ao ser trazida de uma meda pelos ventos.

Sabes pensar e o que pensas dizes
com muito do orgulho e fria firmeza
de Sansão, e ninguém ousa deter-te.

O orgulho assenta-te bem, tão empertigada, ave colossal.
Nenhuma capoeira te faz parecer absurda;
às tuas garras atrevidas são fortes, contra a derrota.
.

To a prize bird
You suit me well, for you can make me laugh, 
nor are you blinded by the chaff 
that every wind sends spinning from the rick. 

You know to think, and what you think you speak 
with much of Samson's pride and bleak 
finality, and none dare bid you stop. 

Pride sits you well, so strut, colossal bird. 
No barnyard makes you look absurd; 
your brazen claws are staunch against defeat.
- Marianne Moore, em "Poemas de Marianne Moore e Elisabeth Bishop". [tradução Maria Lourdes Guimarães[. Colecção o Aprendiz de Feiticeiro. Porto: Campo das Letras, 1999.

§

A embalsamada política
Nada há a dizer a teu favor. Guarda
o teu segredo. Oculta-o sob a tua plumagem
          áspera, necromante.
                    Ó
ave, cujas tendas foram "toldos de fio
egípcio", a vaga inscrição em ziguezague da Justiça
          – inclinando-se como uma bailarina –
                    há-de mostrar
a força da sua soberania outrora viva?
Dizes que não, e transmigrando do
          sarcófago, tu és como o vento,
                    a neve,
o silêncio à nossa volta, com a voz de um moribundo,
semi-titubeante e semi-senhoril, tu espias
          em redor. Íbis, em ti qualquer virtude
                    não
existe – tu, que estás viva, mas tão silenciosa.
O comportamento discreto não é agora a síntese
          do bom senso do estadista.
                    Mesmo
que fosse a encarnação da graça morta?
Como se uma máscara da morte pudesse alguma vez substituir
          a excelência imperfeita da vida!
                    Lenta
até para reparar no íngreme e rígido equilíbrio
do teu trono, hás-de ver a forte distorção
          dos sonhos suicidas
                    passar
cambaleante em sua direcção e com o bico
atacar a sua própria identidade, até
          o inimigo parecer amigo e o amigo parecer

                    inimigo.
.

To statecraft embalmed
There is nothing to be said for you. Guard
Your secret. Conceal it under your "hard
Plumage," necromancer.
         O
Bird, whose "tents" were "awnings of Egyptian
Yarn," shall Justice' faint, zigzag inscription—
Leaning like a dancer—
        Show
The pulse of its once vivid sovereignty?
You say not, and transmigrating from the
Sarcophagus, you wind
        Snow
Silence round us and with moribund talk,
Half limping and half ladified, you stalk
About. Ibis, we find
        No
Virtue in you—alive and yet so dumb.
Discreet behavior is not now the sum
Of statesmanlike good sense.
       Though
It were the incarnation of dead grace?
As if a death mask ever could replace
Life's faulty excellence!
         Slow
To remark the steep, too strict proportion
Of your throne, you'll see the wrenched distortion
Of suicidal dreams.
           Go
Staggering toward itself and with its bill,
Attack its own identity, until
Foe seems friend and friend seems
          Foe.  
- Marianne Moore, em "Poemas de Marianne Moore e Elisabeth Bishop". [tradução Maria Lourdes Guimarães[. Colecção o Aprendiz de Feiticeiro. Porto: Campo das Letras, 1999.

§

Marianne Moore em tradução de João Ferreira Duarte

Terra negra*
Abertamente, sim,
com a naturalidade
     do hipopótamo ou do jacaré
     quando sobe para a margem para sentir o

sol, faço estas coisas que faço, que me agradam
a mim e a mais ninguém. Ora respiro, ora estou sub-
         mergida; os defeitos erguem-se e gritam quando o objecto

em vista era um
renascimento; devo dizer
     o contrário’? O sedimento do rio que
     me incrusta os membros torna-me grisalha, mas habituei-me

a isso, pode aí
ficar; acabem
     com isso e serei eu própria que acabo, pois a
     pátina da circunstância só pode enriquecer o que

já lá se
encontrava. Esta pele de elefante
que habito, coberta de fibras como a casca do
coco, este pedaço de erva negra que não deixa penetrar qualquer

luz — talhada
em xadrez por cio
após cio de experiência inevitável
é um compêndio para os de língua em forma de amendoim

e os de dedos peludos. Negro
mas belo, o meu dorso
 está repleto da história do poder. Do poder? O que
    é poderoso e o que não é? A minha alma não será nunca

trespassada
por uma lança de madeira; durante
     a infância e até ao presente, a unidade da
     vida e da morte tem sido expressa pela circunferência

descrita pelo meu
tronco; no entanto
     compreendo que as façanhas são inexplicáveis
     afinal; e estou precavida; pose à superfície, tem

o centro bem
alimentado - sabemos
     de quê — de orgulho; mas a pose espiritual tem o centro onde?
     Os meus ouvidos são sensíveis a mais do que o som

do vento. Vejo
e ouço, ao contrário do
     corpo-vara de que tanto se ouve falar, que foi feito
     para ver e para não ver; para ouvir e para não ouvir,

este tronco de árvore sem
raízes, habituado a gritar
     para si os pensamentos como concha, mantido intacto
     por sabe-se lá que estranha pressão da atmosfera; este

irmão em
espírito da planta
     do coral, absorvida na qual a equânime luz de safira
     se torna num verde nebuloso. O eu de cada um é para

o eu de cada um
uma espécie de fala irascível
     que impõe um limite a si própria; será o elefante
     terra negra precedida de gavinha? Comparado com aqueles

fenómenos
que vacilam como uma
     translucidez da atmosfera, o elefante é
     aquilo em que flechas não entram decisivamente à primeira

vez, uma substância
necessária como exemplo
     da indestrutibilidade da matéria; tem
     olhado a electricidade e o terra-

moto e ainda aqui
está; o nome significa espesso. Será que
     o fundo é fundo, a pele espessa, espessa para quem não vê
     nenhum belo elemento irracional por baixo?
.

Black earth 
Openly, yes,
with the naturalness
of the hippopotamus or the alligator
when it climbs out on the bank to experience the

sun, I do these
things which I do, which please
     no one but myself. Now I breathe and now I am sub-
     merged; the blemishes stand up and shout when the object

in view was a
renaissance; shall I say
     the contrary? The sediment of the river which
     encrusts my joints, makes me very gray but I am used

to it, it may
remain there; do away
     with it and I am myself done away with, for the
     patina of circumstance can but enrich what was

there to begin
with. This elephant skin
     which I inhabit, fibred over like the shell of
     the cocoanut, this piece of black glass through which no
                 light

can filter – cut
into checkers by rut
     upon rut of unpreventable experience –
     it is a manual for the peanut-tongued and the

hairy toed. Black
but beautiful, my back
     is full of the history of power. Of power? What
     is powerful and what is not? My soul shall never

be cut into
by a wooden spear: through-
     out childhood to the present time, the unity of
     life and death has been expressed by the circumference

described by my
trunk; nevertheless, I
     perceive feats of strength to the inexplicable after
     all; and I am on my guard; external poise, it 

has its centre
well nurtured – we know
     where – in pride, but spiritual poise, it has its centre
                              where?
     My ears are sensitized to more than the sound of 

the wind. I see
and I hear, unlike the
     wandlike body of which one hears so much, which was
                          made
     to see and not to see; to hear and not to hear;

that tree trunk without
roots, accustomed to shout
     its own thoughts to itself like a shell, maintained intact
     by one who knows what strange pressure of the atmos-
                         phere; that

spiritual
brother to the coral
     plant, absorbed into which, the equable sapphire light
     becomes a nebulous green. The I of each is to

the I of each,
a kind of fretful speech
     which sets a limit on itself; the elephant is?
     Black earth preceded by a tendril? It is so that

phenomenon
the above formation,
     translucent like the atmosphere – a cortex merely –
     that on which darts cannot strike decisively the first


time, a substance
needful as an instance
     of the indestructibility of matter; it
     has looked at the electricity and at the earth–
  
quake and is still
here; the name means thick. Will
     depth the depth, thick skin be thick, to one who can see no
     beautiful element of unreason under it?
- Marianne Moore, em "Leituras poemas do inglês: poesia contemporânea de expressão inglesa". [selecção, prefácio e tradução de João Ferreira Duarte]. Lisboa: Relógio de Água, 1993.
* nota do tradutor: Seria um poema da metamorfose, se existissem duas formas, uma antes e outra depois. Mas porque falta presumivelmente a primeira, teremos de supor que o poema  da poetisa norte-americana Marianne Moore, nascida em 1887, se trata de um texto sobre a corporalização de um eu numa capa, numa pele, numa máscara sem rosto, numa superfície sem fundo e numa circunferência sem centro. Sendo mero invólucro material, o eu não tem exterior nem interior, e o poema pode prosseguir numa táctica de diversão, interrogação e interrupção, rejeitando os clássicos artifícios da identidade, porque, afinal, eu sou apenas um nome, “espesso”, e o meu discurso não é a minha expressão, como no romantismo, mas a fala dessa espessura.

§

Marianne Moore em tradução de Rui Knopfli

Silêncio
Meu pai costumava dizer:
"As pessoas superiores nunca fazem visitas prolongadas,
têm de a campa de Longfellow
ou as flores de vidro de Harvard.
Auto-suficientes como o gato -
que, pendendo-lhe da boca a cauda do rato
como um atilho bamboleante,
leva a presa para a intimidade -
por vezes apreciam a solitude
e podem ser privadas do discurso
pelo discurso que as deliciara.
Os sentimentos mais profundos manifestam-se sempre
em silêncio;
em silêncio não, mas de novo comedido.
Tão pouco era insincero quando dizia:
"faça de minha casa a sua hospedaria".
Hospedarias não são residências.
.

Silence
My father used to say,
"Superior people never make long visits,
have to be shown Longfellow's grave
nor the glass flowers at Harvard.
Self reliant like the cat --
that takes its prey to privacy,
the mouse's limp tail hanging like a shoelace from its mouth --
they sometimes enjoy solitude,
and can be robbed of speech
by speech which has delighted them.
The deepest feeling always shows itself in silence;
not in silence, but restraint."
Nor was he insincere in saying, "Make my house your inn."
Inns are not residences.  
- Marianne Moore [tradução de Rui Knopfli], em "Caliban 3/4 - edição fac-similada. Maputo: Instituto Camões. Centro cultural Português, 1996 (1972).

Marianne Moore and a cockatoo, 1954
Marianne Moore, foi uma poeta modernista americana, nascida em 1887, em Kirkwood, Missouri. Junto com os pais, Marianne morou na casa de seu avô, um pastor presbiteriano, até 1905, quando ingressou na universidade de Bryn Mawr, no estado da Pennsylvania, graduando-se quatro anos depois. Foi professora até 1915, quando começou a publicar poesia profissionalmente, sendo influenciada pelo trabalho de grandes nomes como Wallace Stevens, T. S. Eliot e Ezra Pound. De 1925 a 1929, Moore trabalhou como editora do jornal literário The Dial, onde pôde encorajar o trabalho de jovens poetas americanos como Elizabeth Bishop, Allen Ginsberg, John Ashbery e James Merrill. Muito admirada, a poeta recebeu vários prêmios, incluindo o Pulitzer em 1951, por seus Poemas Reunidos, tornandose uma espécie de celebridade nos círculos literários de Nova York. Seus poemas foram publicados em diversos jornais norte-americanos, além da publicação de vários livros contendo sua obra poética e crítica. Em 1955, Moore foi convidada pelo departamento de marketing da Ford a participar da escolha do nome do novo modelo de carro elétrico da empresa, com “nomes inspiracionais”, algo inédito para o setor. Em 1972, após sofrer uma série de AVCs, Moore faleceu na cidade de Nova York, sem nunca ter se casado.
:: Fonte: Poesia feminina de língua inglesa: Dickinson, Plath e Moore. [organização Gleicienne Fernandes; vários tradutores]. Coleção Viva Voz. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2010. 

Marianne Moore
OBRA DE MARIANNE MOORE EM PORTUGUÊS
:: Marianne Moore, Poemas. [tradução e posfácio de José Antônio Arantes; seleção de João Moura Junior]. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
:: Poemas de Marianne Moore e Elisabeth Bishop. [tradução Maria Lourdes Guimarães; ilustrações Armanda Passos]. Colecção o Aprendiz de Feiticeiro. Porto: Campo das Letras, 1999.

Antologia (participação)
:: Poesia dos Estados Unidos. [tradução Oswaldino Marques]. Edição bilíngue. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1966.
:: Caliban 3/4. [edição e coordenação de J. P. Grabato Dias e Rui Knopfli]. Lourenço Marques {atual Maputo}, 1972; reedição: Caliban 3/4: edição fac-similada. Rui Knopfli. [textos introdutórios de Nélson Saúte, Eugénio Lisboa e António Sopa]. Maputo: Instituto Camões. Centro cultural Português, 1996. (poemas de Moore: 'Nenhum cisne tão fino' - 'Que são anos?' - 'Silêncio' - 'Uma garrafa de vidro soprado em forma de peixe', em tradução Rui Knopfli).
:: Poetas norte-americanos: antologia bilíngue. [tradução Paulo Vizioli]. Rio de Janeiro: Lidador, 1976.
:: Leituras poemas do inglês: poesia contemporânea de expressão inglesa. [selecção, prefácio e tradução de João Ferreira Duarte]. Lisboa: Relógio de Água, 1993.
:: Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. [Décio Pignatari, Augusto de CamposHaroldo de Campos]. São Paulo: Edições Invenção, 1965; 2ª ed., ampliada. São Paulo: Duas Cidades, 1975; 3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1987; 5ª ed., Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2006. ('O peixe', de Moore, em tradução Augusto de Campos).
:: Poesia feminina de língua inglesa: Dickinson, Plath e Moore. [organização Gleicienne Fernandes; vários tradutores]. Coleção Viva Voz. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2010.  Disponível no link. (acessado em 18.8.2016).

Outros cantos: escritora Marianne Moore
:: Marianne Moore - Poetry Foundation
:: Poesia distribuída na rua (Rui Almeida)
:: ZUNÁI - Revista de poesia & debates

AMIZADES LITERÁRIAS
W. H. Auden e Marianne Moore


Ezra Pound e Marianne Moore

Marianne Moore e o pugilista Muhammad Ali



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© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske em colaboração com José Alexandre da Silva



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