Cinza
o dia em que ficou instituído
que
toda bela, dócil e frágil
deve
sempre ser a flor.
Deve
chorar cada pétala caída
e
toda rubra, mansa e sofrida
acatar
inteiramente toda a dor.
Deve
esperar placidamente ser colhida
toda
meiga, ávida e sentida
resguardando
na beleza seu calor.
Ah,
que ledo engano se comete
ao
crer que em seu lugar ela fragilmente permanece
entoando
vossos hinos de louvor.
Não
confundir doçura e docilidade
nem
na calma longamente aprendida
uma
ausência de luta com ardor.
Pois
é na lida diária de reinventar-se
e
seguir toda espinho, sonho e realidade
que
ela transfigura o fardo de ser flor.
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Tecidos diários
Para
a frágil tecitura do dia
Escolho
o bordado tanto pela cor
Quanto
pela candura
É
que ser flor nessa ruidosa apatia
É,
sobretudo,
Uma
forma de luta.
Roubo
da renda a força tesa
De
não se render ao ferro que assusta
Enquanto
o cetim me ensina a leveza
De
moldar-se e ainda seguir em disputa
O
caimento do brim, em sua maciez consistente
Ajuda
a ser firme e não perder a ternura
Mas
é sem a chita que eu não saberia
O
movimento amplo das flores em rebeldia
Trajar-me
em cotidiana poesia
É
meu escudo-espada contra a rotina-espartilho
Infeliz
e armada
Por
isso quando à noite me dispo
Dos
tecidos e das rimas em camada
Deixo
em molho de sonhos o vestido
Para
o luar quarar minha onírica empreitada
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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A família que inventei para mim
O
irmão que inventei para mim caminha cuidadosamente ao meu lado
ombro
a ombro, braço dado
como
se desde o ventre do qual não nascemos, nunca nos tivessem separado.
A
irmã que criei para mim é irmã de verso, rima e carta
e,
nesse vai e vem de palavra de lágrima
trocamos
mesmo o sentido do gene comum que nos falta.
A
mãe que sonhei para mim, pintei nas cores das mães todas que me adotaram,
e
hoje, em uma onírica e segura distância, ela entoa cantigas,
e
balança um berço no qual nunca me colocaram,
enquanto
o pai que forjei dos pais vários, partidos, que encontrei
vela
meu sono com atenta e cega constância.
Assim
sigo a sina
de
encontrar tias e fazer primas
e
plantar folhas e colher raízes,
inventando
a família que jamais tive
como
pincel que em suave deslize
desenha
o que o olho nunca viu.
(
o Amor, esse até um dia existiu,
mas,
talvez por real demais, como veio, partiu
talvez
apareça um dia para o chá
ou
para saber da família)
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Correnteza
Espalha
pó
Firme
e só
Ali
sólida espreita
O
solo que a aceita
Vez
que parte e se solta
É
barco sem volta
Dispensa
a vela, navega em pedra
Corre
e desliza em leveza
Que
só de si e de si ia presa
Escapa
à rota, vasta essa orla
Descobre
que a fluida dureza
Da
pedra é saber ser correnteza
A
consistência da rocha é toda sua incerteza
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Da morte e outras permanências
Encontrei-te
na rua ontem! Ou vi somente uma foto?
Não
sei. Os bilhetes de sempre na gaveta me esquecem o lógico.
Veja
bem, não te procuro mais nem na cozinha nem na sala
Mas
mesmo a chaleira sozinha deixa refém um cheiro de café na casa.
E há
ainda uma conta que vem. Um hábito que o porteiro mantém.
Todo
um “quê” que perdeu seu “quem”.
Não
é tanto uma saudade. Nem, talvez, uma dor de ausência.
Mas
ah, como é estranho,
Que
os vestígios da tua partida
só
contem da tua permanência.
Dizem:
é preciso de vez enterrá-lo.
Repetem:
feche o ataúde, é tudo monumento.
Não
veem? Todos os teus túmulos te retém.
(Nossos
mortos não morrem porque nossos
Nossos
mortos não morrem enquanto nossos
Nossos
mortos são nossas esquinas.)
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Sinastria
Há
três nomes que me creem a mulher do seu destino:
o
nome escrito na carta, nos astros,
o
encontro só ainda sem data.
Há
três nomes que me conjugam sempre futura
e,
ainda assim, exata;
Como
se mais que Norte eu fosse mapa.
Não
sabem que meu desatino é, parada, despertencer ao chão,
desobedecer
à verdade da rota por mim traçada.
Enquanto
esperam em qual esquina ou rua me encontrarão,
Eu
construo cidades.
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Encontro
Quando
fiz-me cinza e vi-te cinza
nem
de longe supus que nos daríamos cor
Veja
meu bem quanta luz pode nascer
do
encontro da nossa escuridão
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Ode à incerteza
Eu,
que sou feita de cantos,
temo
um tanto o que é por demais reto.
É
que nas esquinas escondo o encanto
dos
passos perdidos em ruas desertas.
Se
na curva a meta não lembro,
faço
do andar uma aventura secreta;
bifurco
a estrada conforme caminho,
esqueço
a chegada e tortuo a régua.
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Um jacaré que come flores
O
mundo não é cinza. Nem é colorido.
É
uma seria contra o mar revolto.
É
a enchente que fecunda o Nilo.
É
um jacaré que come flores,
O
terrível que do belo se alimenta.
Improvável
harmonia.
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Canção ao marinheiro
Sei
que o acordo foi que eu fosse porto
esteio
certo para tua embarcação errante
ancoradouro
firme e distante
pronto
a acolher-te quando viesses barco
mareado
desse velejar constante, de mar e mundo farto
Sucede
que o mesmo vento que te fez descrever outro arco
Soprou
para além do teu caminho vário
Correu-me
o cais deserto, levou-me vigas, causou estrago
Mas
descobri contente que o chão que se desprende flutua ao largo
É
que, diferente da beleza de velar por vasta frota
Por
isso, não posso ser porto, pois ora parto
Largo
amarras e desato a corda
Grito
adeus e cruzo a imaginária porta
Até
o mar, marinheiro
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Breve biografia da poeta:
Mariana Imbelloni Braga Albuquerque nasceu no Rio de Janeiro, mas foi criada em São João del Rei, MG. Formada em História pela UFF e formanda em Direito pela PUC-Rio, dedica-se desde 2009 aos estudos de gênero nas duas áreas. Para conseguir lidar com isso tudo, apega-se à literatura e arrisca-se na poesia, lida, dita e vivida.
- Mariana Imbelloni Braga (inédito)
- enviado pela autora -
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Breve biografia da poeta:
Mariana Imbelloni Braga Albuquerque nasceu no Rio de Janeiro, mas foi criada em São João del Rei, MG. Formada em História pela UFF e formanda em Direito pela PUC-Rio, dedica-se desde 2009 aos estudos de gênero nas duas áreas. Para conseguir lidar com isso tudo, apega-se à literatura e arrisca-se na poesia, lida, dita e vivida.
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