Tela: © Tomie Ohtake -1969 |
XXX
Com a primeira neve
da Revolução, a neve vermelha,
a pintura se foi com suas laranjas.
Viveu desenredando
seus cubos prodigiosos
em Berlim, em Paris, em Londres negra,
maturou em toda parte em seu exílio,
iluminou com seu contato elétrico
os muros estrangeiros,
tudo foi alaranjado
pela imaginária
de judeus e russos transmigrados
que fizeram reluzir outras estrelas.
Enquanto Moscou guardou em sua arca,
no Manège das cavalariças,
uma pintura morta, os desvãos
da pequena burguesia, os
retratos de heróis e de cavalos
tão delicadamente bem pintados,
tão heroicos, tão justos, tão sagrados
como estampas de livros religiosos
em ante-salas de hospital, gastos
pela rotina de pintores mortos
que continuaram vivos todavia.
Ai, mas a pintura
transmigrante, irreal, imaginária,
a laranja central, a poesia,
voltará à sua morada maternal,
à sua casa de neve.
.
XXX
Con la primera nieve
de la Revolución, la nieve roja,
la pintura se fue con sus naranjas.
Vivió desenredando
sus cubos prodigiosos
en Berlín, en París, en Londres negro,
maduró en todas partes en su exilio,
iluminó con su contacto eléctrico
los muros extranjeros,
todo fue anaranjado
por la imaginería
de judíos y rusos transmigrados
que hicieron relucir otras estrellas.
Mientras tanto Moscú guardó en su caja,
en el Manège de las caballerizas,
una pintura muerta, los desvanes
de la pequeña burguesía, los
retratos de héroes y caballos
tan delicadamente bien pintados,
tan heroicos, tan justos, tan sagrados
como estampas de libros religiosos
en antesalas de hospital, gastados
por la rutina de pintores muertos
que continuaron vivos todavía.
Ay, pero la pintura
transmigrante, irreal, imaginaria,
la naranja central, la poesía,
volverá a su morada maternal,
a su casa de nieve.
- Pablo Neruda, no livro "Elegia". [tradução Olga Savay]. Coleção poesia de Pablo Neruda, 7. Edição bilíngue. Porto Alegre: L&PM, 1981.
§
Tela: © Marc Chagall - 1915 |
Soneto XV
Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.
.
Soneto XV
Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.
Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.
Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.
Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.
- Pablo Neruda, no livro "Cem sonetos de amor". [tradução Carlos Nejar]. Porto Alegre: L&PM Editores, 1979, p. 55.
§
Casario, de Alfredo Volpi - 1952 |
E também tu, cidade retangular,
inaceitável e lógica, nascida
do apressuramento e da guerra,
brotada do cimento renascido
e de tanta cinza ensanguentada,
cidade excelsa da glória pura
e de ridículas edificações,
erguidas como pastéis para o céu,
e no entanto existes,
oh pululante, oh palpitante vida,
oh cidade do milagre
que agrega vidas a todas as vidas
e cresce como selva rápida,
como aparição coletiva,
porque é verdade que são mais belos
o teto, a parede e a fechadura
que o arco-íris de sete cores
onde não pode viver ninguém.
.
VII
Y también tú, ciudad rectangular,
inaceptable y lógica, nacida
del apresuramiento y de guerra,
brotada del cemento renacido
y de tanta ceniza ensangrentada,
ciudad excelsa de la gloria pura
y de ridículas edificaciones,
altas como pasteles para el cielo,
y sin embargo existes,
oh pululante, oh palpitante vida,
oh ciudad del milagro
que agrega vidas
a todas las vidas y crece como selva rápida,
como aparición colectiva,
porque es verdad que son más bellos
el techo, la pared, la cerradura,
que el arco iris de siete colores
donde no puede vivir nadie.
- Pablo Neruda, no livro "Elegia". [tradução Olga Savay]. Coleção poesia de Pablo Neruda, 7. Edição bilíngue. Porto Alegre: L&PM, 1981.
§
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