Childe Hassam |
BILHETE
Fulana.
O que mora em ti
feito pranto e desconsolo
não é amor:
é medo da solidão.
Ela existe,
a feia algazarra
dos pensamentos não comunicados.
E dói
- diz-me a memória de um perdido maio.
Na agricultura do amor
uns plantam, outros loteiam.
Indo pra Londrina,
aí mesmo é que não dá.
Anistia-te de especulação e pranto.
Compra o jornal
E aprende no negrito das manchetes,
que já não existem ilhas acasaláveis.
- Homero Homem, no livro "Agrimensor da aurora". Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1981.
§
CANTO DO MAR
A Haroldo Barbosa
Sou (fui) um oceano.
Tive ilhas remotas encantadas
E golfos os mais persas: tive sórdido
Paul, área interdita
Ao comércio do peixe e da gaivota.
Memória de outro céu (Deus era esponja)
Em meu dorso de brisas circulava
Recém criado azul mediterrâneo.
Deflorava na praia a lua nova
Nasciam sernambis e pitangolas.
Meu fichário de águas guarda ainda
Atlântico cemitério onde repousam
Bujarronas, velames e sextantes
Ânforas de barro reacendendo a vinho
Espadas de Toledo
Torres do Tombo
Ouro dos Brasis.
Sou (fui) um oceano:
'Rinha naval do choque de espadartes
Ravina mineral (chão da enchova)
Manjedoura do peixe cachalote
Jardim com seus repúdios de golfinho
Casa do parto anterior ao homem
Com suas garatéias e noticias.
- Homero Home, no livro "Rei sem sono e outros poemas". Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1966.
§
CÍRCULO DE GIZ
para Alzira
Por algumas mulheres transitei
Mas em nenhuma, juro, me detive.
Filha de Catanduva, de Nínive,
Atendesse por Ângela ou Maria,
Como não as amava, consolei
Em versiprosa que nada dizia.
Mas a você que, eu afinal, amei,
Me reflori e me tornei converso,
A você que eu amei e multiamei,
Ouro e sistema do meu universo,
A você que eu amei e multiamei,
Sonhei dar muito mais que amor em verso.
Duas vezes apenas me flori
na estação do amor. Círculo de giz
maravilhado, então, eu aprendi
que o verso é inútil quando se é feliz
e o poema só deflagra seus sinais
quando um dos dois murmura “Não dá mais”.
Adaga ardente que me crava o dia,
Penetra o sono, fere o coração,
Compreende agora, meu amor, porque
Temia tanto que, por minha mão,
Florisse em verso triste a dor tardia
Eterna e inútil desta confissão?
- Homero Homem, no livro "Agrimensor da aurora". Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1981.
§
DEPOIMENTO
Amor
( se me permite o didatismo
em nome das marcas que carrego,
desse vagir que me caldeia o sangue,
rio de propulsão que em mim situa
sua agência central em capricórnio)
são vôltes acesos navegando sangue
são polias afins entrelaçando
almas e servidões; e mais um sopro
que os pulmões não aproveita
porque (amor) é infenso ao respirar
a qualquer área, política, condomínio
que não seja o de corpos trabalhados
em silêncio, remadas e marés
devastadoras de linhos e auroras.
Porque somos
escutamos humildes e crédulos
o passante mugir das vacas bravas
lambendo o sal dos corpos
pastando prados cantantes
eriçados de ventos e de águas
que se inclinam para o mar
porque é o mar que carregamos.
o amor vem
eu o recebo de mesa posta e mãos limpas.
eu o sirvo e me vou.
- Homero Homem, no livro "Agrimensor da aurora". Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1981.
§
GENIPABU
A Aldo Lins Marinho
O mar era dócil novilho de espuma
Lambendo o sal dos dias, as raízes
Do coqueiral, numa praia deserta, a leste do verão.
Meus cabelos eram alísios correndo para o mar.
Meus pés ganhavam forma de nadadeiras.
Os braços mergulhavam no mar.
O vento tatuava cardumes e transatlânticos
Na pele glabra do mar.
O vento modelava canção e folhagem
Na rede estendida na praia.
O vento derrubava frutos e pássaros
Plantando o verão.
O gado descia até o mar,
Mugia olfativo na porfia pelo sal.
Tartarugas desovavam na areia.
Pequenos caranguejos cor de oca
Levantavam-se nas patas laboriosas,
Punham fome e malícia nos periscópios dos olhos redondos.
A noite com sua frota de pingentes luminosos
Girantes, como esferas de mercúrio
Soltas por mares galaxias,azuis do Céu.
Adormecias na praia,
Teu sono se povoava de águas-vivas.
Acordava outra vez menino subtraído ao homem
Naquele verão.
- Homero Homem, no livro "Agrimensor da aurora". Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1981.
§
LAVRA
Não há (ou há?) fugir à chã teoria:
o soneto é só fruto fruto fruto.
Chama-se jambo ou chama-se Maria
vitamina (C) urare ou escorbuto,
não há como fugir à algaravia
de ions por ordenar. Chão devoluto
(onde a lavra fumiga a larvaria)
cresce o soneto e é fruto fruto fruto .
Seara pós-colhida, resoluto
cantor-pastor manada rolará
pela estepe do mar, curral enxuto
onde nimbo mulher ovelha fruto
vinhedo e touro em aspas mugirá
maduro de alegria ou todo em luto.
- Homero Homem. "O Livro de Zaíra Kemper e Poesia reunida". Rio de Janeiro: Editora José Olympio | INL/MEC, 1972.
§
RETORNO DA POESIA
RETORNO DA POESIA
A Alphonsus de Guimaraens Filho
Fugiu com seus guardados de solteira
e magoado perfil. Fez-se estrangeiro
plantel de náusea e susto no aguaceiro
em que a precipitou nossa cegueira.
plantel de náusea e susto no aguaceiro
em que a precipitou nossa cegueira.
Nós a perdemos, sim. Água ligeira,
pura inscrição no azul. Maio primeiro
Platô de vidro sob o céu ordeiro.
Raio (ou ninho) de sol na cumeeira.
pura inscrição no azul. Maio primeiro
Platô de vidro sob o céu ordeiro.
Raio (ou ninho) de sol na cumeeira.
Mas essa luz que foge à própria presa,
rastilho na calçada, sobe acesa
os degraus meio cruz do novo dia.
rastilho na calçada, sobe acesa
os degraus meio cruz do novo dia.
Sendo-seria a luz poesia,
não há por que morrer. senta-te à mesa,
reúne os teus e chora de alegria.
- Homero Homem, no livro "Agrimensor da aurora". Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1981.
§
RIOS DE CANGUARETAMA
Ôi, minha terra, mãe Canguaretama
com seu rebanho de águas de correr
e fonte de banhar e enxaguar:
Catú, Golandi, Curimataú,
Piquirí, Cunhaú, Pituaçu.
Ah, música humilde/terna dessas linfas
de tez moreno-claro como as moças
com seus cachos de rios
e coxas de riachos
refletidos no canto das levadas.
Catú, Golandi, Curimataú, Piquirí, Cunhaú, Pituaçu.
Seis pias de batismo com seus cantos
de curió e cheiro de currais
cintos de castidade, berço manso
que voga em mim, entre canaviais
- Homero Homem (Canguaretama/RN, 1982)
§
SONETO DO CÃO PASTOR
Meus olhos, cão pastor, lambem teu flanco
Á luz alpestre de uma estrela guia.
Colar de guizo, meu amor te açula
Tange teus pés, terneiros lado a lado
Ao secreto redil, casta fazenda
De paina adormecida e pau-marfim.
Minha mão, cauda inquieta, se te afaga
Entre a vegetação do linho novo,
É porque és ovelha, eu, cão pastor
De teu corpo nascente, gado claro
Criado no altiplano onde vagueias
E pasces, entre fios e altos pássaros
Sob a guarda do entregue cão pastor
Amoroso na lei de sua ovelha.
- Homero Homem. "O Livro de Zaíra Kemper e Poesia reunida". Rio de Janeiro: Editora José Olympio | INL/MEC, 1972.
§
Naquele tempo a tarde era lazúlea
de céu. Verde de copa.
Sobre o ombro da tarde já ferida
pendia o Sol, cabeça encanecida
coroada de pássaro e eucalipto.
Eu contemplava a tarde, mas te via
noturno já de rosto, iluminada
apenas pela gota de ametista
que pingava da tarde e de teus brincos.
Coitadinhos de nós no lusco-fusco
da fala e do silêncio que vestia
a grande milha andada e não andada
que a tarde palmilhava e consumia.
Guardo de ti a tarde, teus cabelos,
o desatado brilho de seus aços,
a curva iluminada do caminho
e solidões armadas como laços.
- Homero Homem, no livro "Agrimensor da aurora". Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1981.
§
TEORIA
Campo de prova, rubra aciaria
o soneto é metal em usufruto.
Aro do só, dormida simetria,
rosoblonga matriz, corpo soluto,
não há como fugir à dessangria
de gomos por ligar. País enxuto,
aparente melão, sapota fria,
sabe o soneto a rolha de bismuto.
Reprensado em lugar, no decilitro
comporta-se o soneto como arguto
plantel de alternativa: mudo espia
dirá do seu sabor o travo citro,
do seu casto labor, vã iguaria;
do seu peso infiel, inoculo fruto.
- Homero Homem. "O Livro de Zaíra Kemper e Poesia reunida". Rio de Janeiro: Editora José Olympio | INL/MEC, 1972.
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BREVE BIOGRAFIA DE HOMERO HOMEM
Homero Homem |
Expoente da Poesia Pós-Modernismo, Homero Homem distingui-se também, como ficcionista, autor de romances, novelas e contos - obras estas direcionadas, em boa parte, ao público juvenil.
Seus dois primeiros livros, no campo da ficção, ambos de contos, não alcançaram grande sucesso junto ao público, mas foram bem recebidos pela crítica: "Tempo de Amor" (Livraria Francisco Alves Editora SA, Rio de Janeiro, 1960 - 2ª edição, 1973) e "Carliteana Carioca" (Editora Leitura, 1965 - Obs: os contos deste livro foram incluídos na segunda edição de "Tempo de Amor").
Com o romance "Cabra das Rocas", em que há muito de sua infância (vivida em Natal), iniciou-se na Literatura Juvenil, com muito êxito, como bem atestam sucessivas edições (a primeira, pela Tempo Brasileiro, Rio, 1966 e as 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e 7ª pela Editora Ática, São Paulo). Sucesso ainda maior, o livro subsequente - "Menino de Asas", novela, com a qual o autor aproximou-se mais do público jovem, abordando, porém, temática diversa da obra anterior (Gráfica Record Editora, Rio, 1968; 22ª ed., Editora Ática, São Paulo, 1989).
Publicou, depois, os seguintes livros (prosa):
"O Excepcional-Flor que Nasceu com uma Pétala de Mais" (Editora Expressão e Cultura, Rio de janeiro, 1973); "O Goleador", romance - primeiro volume de uma trilogia do futebol (Cia. Editora Americana, Rio, 1974); "O Moço da Camisa 10", novela (Livraria José Olympio Editora, Rio, 1978); "Pelejas de Amor", crônicas e narrativas jovens, com mini poemas de abertura (Editora de Orientação Cultural, Rio, 1978); "Mundo do Silêncio Verde", novela de ficção científica para jovens (Prêmio Escritor do Mar e Prêmio Nacional de Literatura) (Editora Nórdica, Rio, 1981).
Homero Homem |
Pelo número de edições dos seus livros constata-se que Homero Homem é o mais lido de todos os ficcionistas norte-rio-grandenses. Outra constatação não menos importante: é o único com livro traduzido ("Gente delle Rocas", tradução italiana de "Cabra das Rocas", por Laura Draghi e Danuza Garcez Ourique - Editora Giunti Marzocco. Florença, 1977).
Entre os poetas modernos brasileiros, Homero Homem pode ser definido como neo-romântico, pós-Geração 45. Sua obra tem sido estudada por alguns prestigiosos críticos, como Wilson Martins, Gilberto de Mendonça Teles e Leo Gilson Ribeiro. Deste último, esta definição, exata e concisa: "... poeta de inquieta raiz social (...) lirismo entre a emotividade, a erudição, o tom popular irônico e a musicalidade rítmica".
"O Agrimensor da Aurora" enfeixa onze livros de poesia. Seguiram-se "O Luar Potiguar" (Presença Edições, Rio - Fundação José Augusto, Natal, 1963); "Lírica e Drama de Cordel", 10 folhetos reunidos (Edições Salmo & Cordel, Rio, 1986/87), "Ata 700 e Oratório Ecológico Ladainha de Nossa Senhora do Pantanal" (Edições Sabadoyle, Rio, 1987), "Eu Sem Ego" (Editora Clima/Fundação José Augusto, Natal, 1990).
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(Manoel Onofre Jr. in: Contistas Potiguares, Natal, 2003).
Fonte: O Nordeste (acessado em 7.8.2016).
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