André Setti - poemas

© Paul Cézanne
Canções peregrinas
Perder-se
pode ser o melhor caminho.
Achar-se,
o mais cruel desalinho, 
pois a arte
de caminhar sozinho
é também ser da vida
um pouco mago,
um pouco afago,
um pouco adivinho 
e ter, em si, a harmonia 
dos polos e dos opostos 
na travessia do dia.
- André Setti (inédito - 2016)
- enviado pelo autor - 

§

Casório
Cosmos
Se acasalando
Com o acaso.
Eis o presente,
Meu caro.
Só caso
Com o tempo
Que sustenta
Meus ossos
Cansados.
- André Setti (inédito)
- enviado pelo autor - 

§

Conquista
O fogo, no fundo do mar,
dançava manhoso
com as águas.

Estas, por terem visto
apenas pedras e peixes,
cederam.
- André Setti, no livro "Teatro das horas". São Paulo: Edições K, 2005. 

§

O ÚLTIMO CEGO
                           "E nós estamos dentro, subtis, e tensos na música" 
                                                             - Herberto Helder, As Musas Cegas IV.

Dons ateiam-se,
tateiam-se, afogados
pelos crimes do medo,
louvores se espalham
na periferia das lareiras
inventadas pelo sono.

No gesto grave,
os símbolos e os túneis
que atravessamos feito lagos,
sem remo, sem barco,
apenas com os dons estrangulados
do nosso engenho
zunindo verde-tosco,
eis o sonho em que me perco,
as vozes do silêncio
zombam de mim, da paisagem,
pirâmides, serafins
bailam Vivaldi,
o juiz me pergunta das estrelas,
e o último cego, comovido,
lê as horas em meu corpo. 
- André Setti, no livro "Teatro das horas". São Paulo: Edições K, 2005. 

§

Sei do eterno
Terremoto entre os ossos.
Tenho a incerteza
Como réplica imperfeita.
Pressa não tenho
Em passar pelos caminhos
Ocultos, marítimos,
Violinos do erro.
Tenho a semente do infinito
E um tanto de cinismo
Para seguir vivendo.
- André Setti (inédito)
- enviado pelo autor - 

§

E vamos bailando...
E vamos bailando,
cada um com seu caos,
engano e encanto.
E vamos bailando,
ano após ano,
sobre os destroços
desta cidade cheia de ossos, 
que rebrilham e respiram.
- André Setti (inédito - 2016)
- enviado pelo autor - 

§

Vida sem morte
A vida sem morte 
vaga pela noite 
sem norte, espera ou vontade. 

Toma um café, 
convence as pessoas. 

Mas sem a morte 
a lhe abrir os olhos, 
a vida não rasga 
a pele do sol
- André Setti, no livro "Teatro das horas". São Paulo: Edições K, 2005. 

§
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Breve biografia do autor:

André Setti é poeta e publicou o livro ‘O Teatro das Horas”, pelas Edições K, em 2005.
Algum dia, se encontrar algum mecenas, publicará seus 37 livros prontos ou semi-prontos, cuja maioria ele nem se lembra de ter escrito.
Não gosta de falar muito sobre si mesmo e nem de escrever sobre si na terceira pessoa.
É também professor de inglês e tradutor, pois viver de arte, no Brasil...

Um comentário:

  1. Grande poeta e figura humana extraordinária... Alguns escrevem pela glória, outros, como André, pelo amor ao poema...

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