ilustração © Megan Duncanson |
cinema?
quando essa luz baixar
antes de olhos se fixarem
na imensa tela onde a imagem
nos desenrola para dentro
onde nada havíamos tramado
se nos deparássemos ali
sem roteiro ou argumento
a viver na carne o arrepio
da inesperada cena?
- Paula Padilha, no livro "Tempo inteiro". Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2007.
§
bagagem
caçador de estrelas
traz na peneira
a poeira da infância
que ora se espalha
e exprime o poema
à luz da manhã
- Paula Padilha, no livro "Olhar descalço". Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2001.
§
eclipse
ainda no osso a manhã
ampara um resto de insônia
expõe a textura dos olhos
por onde o espírito dissonante
não compreende
a origem da inesperada luz
uma vez na carne a manhã
conspira a favor do gesto
distende o que o breu adensou
segredo deserto pergunta
a ferida
escondida na noite aberta
- Paula Padilha, no livro "Tempo inteiro". Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2007.
§
espelho
quem é você que
me olha de dentro
com olhar tão meu?
quem é você
meu carbono mais perfeito
que meu sorriso pressente
sem ao menos um aviso?
retinto mistério:
a certeza de que em matéria
existo
a eterna procura inglória
do sentido
- Paula Padilha, no livro "Olhar descalço". Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2001.
§
poética
persigo a precisão das avencas
e a clareza que envolve a lua nova.
observo a gente sob o viaduto
o olhar descalço da criança
a raiva que ocupa na barriga
o espaço da comida.
faço poesia
igualzinho a deles
nos desvãos
nas beiras
na ausência de resposta
movida apenas pelo susto
pela imprecisão de empunhar o mundo.
- Paula Padilha, no livro "Olhar descalço". Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2001.
§
sempre amigos
se esse amor de raiz brotasse
flor no cascalho de ideias
e lastros, poderíamos
esbarrar no susto
no embaraço
se soubéssemos celebrar
o improvável passo
atravessar agulha
pelo buraco
traríamos alianças
ao invês dessas luvas
(tão bem polidas)
que não tocam a foz
dos nossos desejos
- Paula Padilha, no livro "Olhar descalço". Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2001.
§
senha
Bastaria uma palavra
da envergadura exata
de uma espera
e o passo estaria dado
sem hesitação
nem cansaço.
o amor a seguir seu rumo
o homem a perder o prumo
- Paula Padilha, no livro "Olhar descalço". Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2001.
§
vidro
ou
espelho
o que vejo
através
é
apenas o meio
ou
outro rosto
se mostra
na suspensão
da pergunta
acesa
sob a lâmina
dos olhos?
- Paula Padilha, no livro "Tempo inteiro". Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2007.
§
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Breve biografia:
Paula Padilha (poeta) é carioca, publicou em 2001 "olhar descalço" (poemas), seu primeiro livro pela Editora da Palavra e em 2007 "tempo inteiro" (poemas), pela editora Bem-Ti-Vi.. Tem poemas publicados em jornais e revistas do ramo. Atualmente cursa filosofia na PUC-RJ.
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