Vincent van Gogh - green wheat fields - 1890 |
[…]
“Um poeta nunca está totalmente ausente”, ouvi dizer. Eis a questão. E substituo poeta por poema para propor a questão: um poema pode em algum momento estar totalmente ausente?
O que faz a chuva, por exemplo? E não falo do “fenômeno meteorológico”, mas da chuva que molha, aquela que recebe o astrofísico sem capa de chuva na saída do observatório em um certo dia. Falo de seu papel e de sua função dentro da peça, de seu efeito em nosso drama, in hoc theatro mundi.
Ela cola, cola a saia ao corpo, os cabelos ao crânio, a pele ao osso; ela encolhe, tira a maquiagem, denuncia a mímica; ela desincha, reduz, localiza; sob a chuva, o aparecer coincide com aquilo que aparece. Também não falo da idéia da chuva, mas daquilo que chamei, em outro momento, de figurante da encenação geral. O poema pega as coisas no ato, na circunstância, e testemunha sobre o que nos fazem.
[…]
.
(fragmento de L’énergie du désespoir)
[…]
« Un poète n’est jamais tout à fait absent », ai-je entendu dire. C’est la question. Et je substitue poème à poète pour faire la question: un poème peut-il être jamais tout à fait absent ?
Que fait la pluie par exemple? Et je ne parle pas du «phénomène météorologique» mais de la pluie qui mouille, celle que reçoit l’ astrophysicien sans imper à la sortie de l’observatoire ce jour -là. Je parle de son rôle et de sa fonction dans la pièce, de son effet dans notre drame, in hoc theatro mundi.
Elle colle, elle colle la jupe au corps, les cheveux au crâne, la peau à l’os ; elle retrousse, elle défarde, elle dénonce la mimique, elle dégonfle, elle réduit, elle localise ; sous elle l’ apparaître coïncide à ce qui apparaît. Je ne parle pas non plus de l’idée de la pluie mais de ce que j’ai appelé ailleurs un figurant de la mise en scène gênérale.Le poème prend les choses sur le fait, dans la circonstance, et témoigne de ce qu’elles nous font. »
[…]
- Michel Deguy, {tradução Marcos Siscar}. em "A rosa das línguas". [organização e tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar]. São Paulo: Cosac & Naify; Rio de Janeiro, 7 Letras; 2004.
§
O metrônomo
Quem bate
Uma frase de língua
Ao vento do jogo
Neuma do metro
O balancim confia
O tempo à dicção
Ritmo limiar é preciso
Que uma porta de palavras
seja aberta e fechada
Longa breve e pausa
O tempo passa
Ele repassará
Há como no ser
Um ar de família um ar de nada
A corrente de ares
vira as páginas
isso não faz um vinco
mas cinco
Só mais um momento
Senhor leitor
O tempo de uma palavra nua
Entre duas viradas
O que me canta
.......dobra-se
Aos calibres das cores
.
Le métronome
Qui bat là
Une phrase de langue
Au vent du je u
Neume du mètre
Le balancier confie
Le temps à la diction
Rythme seuil il faut
Qu'une porte en mots
soit ouverte et fermée
Longue brève et pause
Le temps passe
Il repassera
Il y a du comme dans l'être
Un air de famille un air de rien
Le courant d'airs
tourne les pages
ça ne fait pas un pli
mais six
Encore un instant
Monsieur le lecteur
Le temps d'un mot nu
Entre deux tournes
Ce qui me chante
se plie
Aux calibres des couleurs
- Michel Deguy, em "A rosa das línguas". [organização e tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar]. São Paulo: Cosac & Naify; Rio de Janeiro, 7 Letras; 2004.
§
O amor é mais forte que a morte vocês diziam
Mas a vida é mais forte que o amor e
A indiferente mais forte que a vida — A vida
Minha ou sua e nossa de alguma maneira
É em conjunto a única seqüência de
metamorfoses
(O neotênico converte-se em herói sexuado
Depois no barrigudo careca que apodrece como
um deus)
E banhos-duchas no Letes todos os meses
Lutos laqueados, renascimentos frágeis,
amnésias
E um velho mudo dentro de nós há tanto
tempo
Sobrevive sem dor ao ossuário das crianças
(45° Oeste 60° Norte)
.
L'amour est plus fort que la mort disiez-vous
Mais la vie est plus forte que l'amour et
L'indifférente plus forte que la vie – La vie
Mienne ou tienne et nôtre en quelque manière
Est ensemble la seule séquence de
métamorphoses
(Le néoténique se mue en héros à sexe
Plus tard en ventru chauve pourrissant comme
un dieu)
Et bains-douches au Lhété tons les mois
Deuils laqués, renaissances frêles, amnèses
Et un vieillard muet en nous depois longtemps
Survit sans douleur au charnier des enfants
(40° Ouest 60° Nord)
- Michel Deguy, {tradução Marcos Siscar}. em "A rosa das línguas". [organização e tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar]. São Paulo: Cosac & Naify; Rio de Janeiro, 7 Letras; 2004.
§
Os dias não estão contados
Saibamos formar um cortejo de deportados
...........................................................[que cantam
Árvores com flancos de preces
Ofélia no flutuar do tempo
Assonâncias guiando um sentido ao leito do poema
Como designar aquilo que dá o tom?
A poesia como o amor arrisca tudo nos
..........................................[signos
.
Les jours ne sont pas comptés
Sachons former un convoi de déportés qui
................................................................[chantent
Arbres à flancs de prières
Ophélie au flottage du temps
Assonances guidant un sens vers le lit du poème
Comment appellerons-nous ce qui donne le ton?
La poésie comme l'amour risque tout sur des
..................................................[signes
- Michel Deguy, {tradução Marcos Siscar}. em "A rosa das línguas". [organização e tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar]. São Paulo: Cosac & Naify; Rio de Janeiro, 7 Letras; 2004.
§
Lançados…
Lançados se entrelaçam o amor e a comparação!
O amor compara a comparação que ama elogiar
com anáforas
……..e a lira sáfica tece
……..a incomparável beleza das bordas
……..à contraluz de um eclipse do Ser
(ora, afastando-me de barca da ilha-hotel
— aurora que você saudava à janela de Udaipur —
— não tínhamos saído do conto
mas estávamos protegidos, edificados até
por uma constante de Propp mais bela
do que os troféus fotoscópicos)
………………………………………….. …..Será
sempre cedo demais sempre tarde demais
portanto, é agora …………………… ……. …o
tardio demais e demasiado prematuro adeus
.
Élancés…
Elancés ils s’enlacent, l’amour et la comparaison!
L’amour compare la comparaison qui aime louer
avec des anaphores
……….et la lyre saphique tisse
……….l’incomparable beauté des bords
……….à contre-jour d’une éclipse de l’Être
(or m’éloignant en barque de l’île-hôtel
—aube que tu saluais à la fenêtre d’Udaïpur —
nous n ’étions pas sortis du conte
mais protégés, édifiés même
par une constante de Propp plus belle
que les trophées photoscopiques)
…………………………………..Ce sera
toujours trop tôt toujours trop tard
donc c’est maintenant….. ………..le
trop tardif et trop prématuré adieu
- Michel Deguy, {tradução Paula Glenadel}. em "A rosa das línguas". [organização e tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar]. São Paulo: Cosac & Naify; Rio de Janeiro, 7 Letras; 2004.
§
Sorriso…
Sorriso
Quando cruzo com ela no seu rosto
No seu rosto assim como nos nossos
Nos rostos deles há
Restos daquele encontro precedente
.
Sourire…
Sourire
Quand je la croise sur son visage
Sur son visage comme sur les nôtres
Sur leur visages il y a
Des restes de la rencontre precedente
- Michel Deguy, em "Poetas de França hoje. 1945-1995. [organização e tradução Mário Laranjeira]. São Paulo: Edusp, 1996.
BREVE BIOGRAFIA
Michel Deguynasceu em Paris, em 1930. É conhecido como poeta, filósofo e professor de literatura. Foi membro dos grupos responsáveis pelas revistas Poésie, Critique, Les Temps Modernes. Presidiu o Collège International de Philosophie e a Maison des Écrivains. Recebeu na última década dois dos mais importantes prêmios literários franceses, o Grand Prix national de la poésie e o Grand Prix de Poésie de l'Académie Française. Uma antologia de seus poemas foi publicada no Brasil, com tradução de Paula Glenadel e Marcos Siscar, na coleção Ás de Colete, dirigida pelo poeta carioca Carlito Azevedo. Contemporâneo exato da geração brasileira que presenciou o nascimento e maturidade poética de Haroldo de Campos, Hilda Hilst, Ferreira Gullar, Mario Faustino, o poeta francês Michel Deguy publicou, entre outros, os livros Les Meurtrières (1959), Poèmes de la Presqu’île (1961), o maravilhoso Ouï dire (1966), Poèmes 1960-1970, Abréviations usuelles (1977), La Machine matrimoniale ou Marivaux (1982), Choses de la poésie et affaire culturelle (1986), L’Énergie du désespoir, ou d’une poétique continuée par tous les moyens (1998), entre outros.
:: Fonte: revistamododeusar
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