Montanha - Rubem Braga

Sem título, Emiliano Di Cavalcanti - 1957
Montanha

Outro dia fui, à noite, a Santa Teresa, e ontem, à tarde, visitei um amigo na Clínica São Vicente. São raras, porém, minhas excursões pelas montanhas do Rio, por essa outra cidade — ou melhor, por essas outras cidades que há no Rio e dominam o Rio. Essas árvores antigas, esses muros imensos cercando o mistério dos parques e dos casarões, tudo isso tem um poder de beleza e de sossego.

O ar é mais fino; as coisas sonham em um quiriri fidalgo, desdenhando os vagos ruídos que vêm lá de baixo, da cidade. Por um instante a gente imagina viver assim, fora de toda agitação vã, para pensar com mais sossego a vida.
Por um curto instante; e se uma tristeza me pegar aqui, uma tristeza me bater no fim da tarde ou no começo da madrugada? Odiarei, com certeza, essas árvores lentas, e minha angústia recuará até o fim do século passado — as melancolias imperiais são longas, tediosas, sufocantes, lentas. Adoecerei, com certeza, de tédio monárquico, e me aplicarão enormes sanguessugas negras e roxas, fecharão todas as janelas com longos panos pretos, haverá um cheiro de vela apagada e de remoto mofo, e receberei a extrema-unção de um padre gordo e lerdo de imensa batina desbotada. Homens pálidos, de luto, me enterrarão em uma cova demasiado úmida, e quando eu estiver bem defunto, no total escuro, vestido de preto, calçado com enormes botinas pretas, minha amada estará nadando em luz no Arpoador matinal, entre gaivotas e espumas, quase nua.


Rio, junho, 1959.

— Rubem Braga, no livro “Ai de ti, Copacabana”. Rio de Janeiro: Record, 2010.


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