Crônica de 2 de julho de 1893 - Machado de Assis

Fishermen - in Conversation
2 de julho (1893)

Uns cheques falsos estiveram quase a dar aos seus autores cerca de quatrocentos contos.

Descoberto a tempo este negócio, interveio a polícia, e os inventores viram burlada a invenção.

Salvo a quantia, que era grossa, o caso é de pouca monta, e não entraria nesta coluna, se não fora a lição que se pode tirar dele.

De fato, eu creio que foi um erro acabar com o movimento de três anos atrás. Então, os mesmos quatrocentos contos seriam tirados, mas com cheques verdadeiros.

Vede bem a diferença. Os cheques verdadeiros tinham por si a legitimidade e a segurança. Centenas e milhares de contos podiam andar assim, às claras, sem canseiras da polícia, nem aborrecidos inquéritos. A moral não condena a saída do dinheiro de uma algibeira para outra, e a economia política o exige.

Uma sociedade em que os dinheiros ficassem parados, seria uma sociedade estagnada, um pântano.

Com o desaparecimento quase absoluto dos cheques verdadeiros, entraram os falsos em ação. Foi, por assim dizer, um convite à fraude. Perderam-se as chaves, surdiram as gazuas, naturais herdeiras de suas irmãs mais velhas. Tornemos às chaves; empulhemos os empulhadores.

Tirando o caso dos cheques, a morte do preto Timóteo, indigitado autor do assassinato de Maria de Macedo, o benefício de Sarah Bernhardt, a perfídia de dois sujeitos que venderam a um homem, como sendo notas falsas, simples papéis sujos, zombando assim da lealdade da vítima, e pouco mais, todo o interesse da semana concentrou-se no Congresso. O benefício da filha de Minos e de Pasífae deu ensejo a uma bela festa ao seu grande talento; a morte de Timóteo veio suspender um processo interminável, e o logro das notas falsas põe ainda uma vez em evidência que a boa fé deve fugir deste mundo; não é aqui o seu lugar. Contra um homem leal, há sempre dois meliantes.

Na câmara dos deputados, o Sr. Nilo Peçanha, em um brilhante discurso, defendeu a propriedade literária, merecendo os aplausos dos próprios que a negam, e dos que, como eu, não adotam o tratado.

Mas as questões literárias não têm a importância das políticas, por mais que haja dito Garret da ação das letras na política. “Com romances e com versos, bradava ele, fez Chateaubriand, fez Walter Scott, fez Lamartine, fez Schiller, e fizeram os nossos também, esse movimento reacionário que hoje querem sofismar e granjear para si os prosistas e calculistas da oligarquia”.

Respeito muito o grande poeta, mas ainda assim creio que a política está em primeiro lugar.

Uma revista, dizia não sei que estadista inglês, deve ter duas pernas, uma política, outra literária, sendo a política a perna direita. Eu, se prefiro a todas as políticas de Benjamin Constant o seu único Adolfo, é porque este romance tem de viver enquanto viver a língua em que foi escrito, não por sentimento de exclusivismo. Assim também, se nunca pedi ao céu que me pusesse nos tempos dos homens de Plutarcos e nos outros que os salvaram do esquecimento com os seus livros, foi unicamente porque, se o céu me fizesse contemporâneo de tais homens, já eu teria morrido uma e muitas vezes, — em vez de estar aqui vivo, escrevendo esta semana.

Houve no senado a sessão secreta para examinar a nomeação do prefeito. Posto que secreta, a sessão foi pública. A mesma coisa aconteceu à sessão anterior. As outras também não foram reservadas. Direi mais para acercar-me da verdade, cercando il vero, que as sessões secretas são ainda mais públicas que as públicas. Basta anunciar que tratam de material cujo exame não se pode fazer às escancaras, antes devem ficar trancadas, para que todos as destranquem, e tragam à rua. O pão vedado aguça o apetite, é verso de um poeta.

Verdade é que não basta o apetite da pessoa, é preciso que haja da parte do pão certa inércia e vontade de ser comido. Os segredos não se divulgam sem a ação da língua. Da primeira ou segunda vez que o senado fez sessão secreta e a viu divulgada, tratou-se ali de examinar a origem da revelação. Se me não engano, o secretário afirmou que todas as portas estiveram fechadas. Um membro de casa achou difícil que se mantivesse o segredo entre tantas pessoas, — o que lhe acarretou veementes protestos. Não se descobrindo nada, resolveu-se então, como agora, que a ata da sessão fosse impressa.

Esta impossibilidade de esconder o que se passa no segredo das deliberações faz-me crer no ocultismo. É ocasião de emendar Hamlet: “Há entre o palácio do conde dos Arcos e a rua do Ouvidor muitas bocas mais do que cuida a vossa inútil estatística”.

A meu ver, o remédio é tornar públicas as sessões, anunciá-las, convidar o povo a assistir a elas. Talvez o meio seguro de as fazer tanto ou quanto secretas. Desde que as portas sejam francas, poucas ou nenhuma gente irá assistir ao exame das nomeações. Distância é o diabo. A rua do Ouvidor é a principal causa desta tal ou qual inércia de que nos acusam. Em três pernadas a andamos toda, e se o não fazemos em três minutos, é porque temos o passo vagaroso; mas em três horas vamos do beco das Cancelas ao largo de S. Francisco.


- Machado de Assis, "A semana"/Crônica. Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 24/4/1892 a 11/11/1900.

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