Crônica de 13 de novembro de 1892 - Machado de Assis

Nikolay Bogdanov-Belsky
13 de novembro (1892)

“Quem se não preocupar com saber (escreveu Grimm) que tal estava o tempo em Roma quando César foi assassinado, nunca há de saber história”. Há aqui uma grande verdade. Quando não a haja para o resto do mundo, poderemos crer que há para nós. Um exemplo: O senado rejeitou na sessão noturna de sexta-feira o projeto da Câmara dos Deputados, prorrogando a sessão legislativa até o dia 22 do corrente. Era um duelo entre os dois ramos do Congresso. A Câmara queria prorrogação para discutir a questão financeira e os créditos militares. O senado que não queria questão financeira rejeitou o projeto de prorrogação.

Os superficiais contentam-se em ler a notícia do voto; os curiosos irão até a leitura dos nomes dos senadores favoráveis e diversos. Os espíritos profundos, desde que aceitem a doutrina de Grimm, procurarão saber se na noite da sexta-feira chovia ou ventava.

Ventava e chovia. Vou contar-lhes o que se passou. De tarde, perto das seis horas, estando eu na Rua do Ouvidor, soube que o senado faria sessão noturna para resolver sobre a prorrogação, isto é, rejeitá-la, como lhe parecia bem. Resolvi ir ao senado. Corri para casa, jantei às pressas, e mal começava a beber o café, o vento, que já era rijo alguns minutos antes, entrou a soprar com violência; logo depois principiou a chover grosso, uma noite ríspida. Três vezes tentei sair; recuei sem ânimo.

Suponhamos agora que não chovia; eu ia ao senado, trepava a uma das galerias para assistir aos debates. Ouviria as melhores razões dos adversos à prorrogação e, no meio do pasmo de todos, fazia de cima este breve discurso:

— Senhores, ouço que recusais a prorrogação por falta de tempo necessário ao debate do projeto financeiro.

Realmente, dez dias não parecem muito para matéria tão relevante. Permiti, porém, que vos cite um velho parlamentar. Uma folha européia, não há muitas semanas, lembrava este dito de Disraeli: “Tenho ouvido muitos discursos na minha vida; alguns conseguiram mudar a minha opinião; nenhum mudou o meu voto”. Basta, pois uma prorrogação de cinco minutos, dez, vinte, o tempo de votar, verificar a votação e arquivar o projeto. Não façamos correr mundo o boato falso que os debates alteram o voto pré-existente. Disraeli, com todo o seu talento, não era único.

Este simples discurso mudaria a orientação dos espíritos. Não o fiz porque não saí de casa, e não saí de casa porque choveu. E assim se podem explicar muitos outros sucessos políticos.

Com certeza, não choveu em Ouro-Preto, por ocasião da revolução e da contra revolução municipal. As águas do céu, ou por serem do céu, ou por qualquer razão meteorológica que me escapa, não deixam sair as revoluções à rua.

Em verdade, o guarda-chuva não é revolucionário, nem estético. O único homem que venceu com ele foi o rei Luiz Filipe, e daí lhe vem o apoio dos chapeleiros e toda a grande e pequena burguesia. Mais tarde, não tendo querido unir o martelo ao guarda-chuva, perdeu este e o cetro.

Mas tudo isto é história antiga. Moderno e antigo a um tempo é o novo desastre produzido pelo bonde elétrico, não por ser elétrico, mas por ser bonde.

Parece que contundiu, esmagou, fez não sei que lesão a um homem. O cocheiro evadiu-se.

O cocheiro evadiu-se. Há estribilhos mais animados que este: não creio que nenhum o alcance na regularidade e na graça do ritmo. O cocheiro evadiu-se. O bonde mata uma pessoa; dou que não a mate, que a vítima perca simplesmente uma perna, um dedo, ou os sentidos. O cocheiro evadiu-se. Ninguém ignora que todas as revisões de jornais têm ordem de traduzir por aquelas palavras um sinal posto no fim das notícias relativas a desastres veiculares. Vá, aceite, o adjetivo; é novo, mas é lógico. Patíbulo, veículo. Patibulares, veiculares.

Há tempos (ponhamos cinqüenta anos), um cocheiro de bonde descuidou-se e foi preso; mas o público teve notícia de que, além das qualidades técnicas que o recomendavam, o automedonte, ensinava um sobrinho a ler e escrever, e foi esta afirmação doméstica do grande princípio da instrução gratuita e obrigatória que o salvou. Talvez não fosse bem assim; eu mal era nascido; ouvi a história entre outras da minha infância. Também não sei se o bonde era elétrico. Não se diga que há culpa da parte das testemunhas, em não prender os delinqüentes e entregá-los à primeira praça que acudiu. Estudemos o espírito dos tempos. Há trinta anos, dado um delito, o grito dos populares era este: pega! pega!

Nos últimos dez ou quinze anos o grito em caso de prisão é este: Não pode! não pode! Tudo está nestes dois clamores. No primeiro caso, o povo constituía-se gratuita e estouvadamente em auxiliar da força. No segundo converteu-se em protesto vivo e baluarte das liberdades públicas.

Entenda-se bem que, falando de cocheiros, não me restrinjo aos modestos funcionários que têm exclusivamente este nome, nem particularmente às companhias de bondes. Há outras companhias, cujos cocheiros também fogem, logo que há desastre, — ou desde que os passageiros descobrem que andam sentados, mas que há muito tempo perderam as calças e as pernas. Há ainda outra espécie de cocheiros mais alevantados. Agora mesmo, em Venezuela, quando o general Crespo tomou conta do carro do Estado, o cocheiro intruso que lá estava evadiu-se com dois milhões.

Fugir, afinal de contas, é um instinto universal.

- Machado de Assis, "A semana"/Crônica. Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. III, 1994. Publicado originalmente na Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, de 24/4/1892 a 11/11/1900.

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