No silêncio que o sol queima - Marina Colasanti

Vincent van Gogh - wheat field with cornflowers - 1890

No silêncio que o sol queima

No meio do trigal, pernas abertas, abrigava pássaros. Era sempre assim. Com a chegada do verão sentia-se fértil, ensolarada de desejo, mãe da terra.
E deitava-se entre as hastes rígidas, as espigas túrgidas, à espera. Logo, pardais vinham aninhar-se entre suas coxas, fazendo-a suspirar com a doce carícia das asas. Esmagava entre os lábios pétalas de papoulas, e gemia. Fremir de plumas, pequenos bicos, breves pios, delícias. E as línguas do sol sobre seus seios.
Mas era só ao entardecer, quando o gavião em vôo desenhava círculos de sombra sobre o ouro, lançando-se como pedra entre suas carnes para colher o mais tonto dos pardais, que as hastes estremeciam enfim, inclinando as espigas ao supremo grito.

— Marina Colasanti, no livro "Um espinho de marfim e outras histórias". Porto Alegre: L&PM, 1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Gostou? Deixe seu comentário.