Literatura e medicina: doze obras inesquecíveis - Moacyr Scliar

©Sveta Dorosheva


Literatura e medicina: doze obras inesquecíveis

[04/11/1995]

A medicina e a palavra escrita sempre andaram juntas. A arte de curar foi evoluindo através de obras que eram reverenciadas pelos médicos como a Bíblia, a começar pelos textos atribuídos a Hipócrates — atribuídos, porque não se sabe se foi ele quem realmente os escreveu. Os livros de Galeno, que viveu no segundo século depois de Cristo, representaram a mais importante fonte de conhecimento sobre doenças durante o milênio que durou a Idade Média. O Regimen sanitatis Salernitanum, um livro sobre higiene escrito pelos médicos da chamada Escola de Salerno, já no fim do período medieval, era muito lido, entre outras razões porque composto em versos facilmente memorizáveis. De humani corporis fabrica, de Vesálio, foi o primeiro tratado de anatomia digno deste nome. E assim por diante: hoje qualquer estudante de medicina sabe que, em caso de dúvida, deve recorrer aos grossos manuais, o Cecil ou o Harrison. Claro, breve tudo isto estará em disquete; por enquanto, o livro ainda reina soberano.
Mas não é só nos textos científicos que está a medicina. A literatura muitas vezes se inspirou na doença e na figura do médico para nos dar algumas obras magistrais. E muitos jovens buscaram a profissão influenciados pelo trabalho dos escritores.
Os meus preferidos? Aqui estão doze deles: A montanha mágica, de Thomas Mann, escrito numa época em que a tuberculose ainda era tratada em sanatório (como aconteceu com a mulher de Mann). Como todo grande escritor, Thomas Mann usa a doença para mergulhar na condição humana, porque, como ele mesmo diz, “a doença nada mais é que a emoção transformada”. A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói, uma curta e dilacerante novela sobre um homem que está morrendo de câncer, enfrentando a hipocrisia e a indiferença de médicos e familiares. Arrowsmith, de Sinclair Lewis, uma irônica descrição dos bastidores da ciência. O dilema do médico, peça teatral de Bernard Shaw, cujo prefácio é uma das melhores análises sobre a mercantilização da medicina (“Pagar a um cirurgião pelas pernas que amputa da mesma forma que se paga a um padeiro pelos pães que faz é acabar com toda a racionalidade”). O doente imaginário, de Molière, também uma peça de teatro, também satírica. A cidadela, de A. J. Cronin, a lacrimosa história de um jovem médico, que levou vários jovens à faculdade de medicina. The Doctor Stories, de Williams Carlos Williams, grande escritor que, como pediatra, trabalhava em bairros pobres de sua cidade nos Estados Unidos. Olhai os lírios do campo, de Erico Verissimo, também sobre a comercialização da medicina. O alienista, de Machado de Assis, notável sátira à psiquiatria autoritária do fim do século xix. Tenda dos Milagres, de Jorge Amado, sobre os racistas médicos da Bahia no começo do século. A peste, de Camus, e O amor nos tempos do cólera, de García Márquez: ficção nascendo das pragas. Obras importantes, deveriam figurar no currículo médico, junto com o Cecil e o Harrison.

— Moacyr Scliar, no livro "Território da emoção". São Paulo: Companhia das Letras, 2013


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