García Lorca e os poetas brasileiros



Federico García Lorca

poemas dedicados ao poeta do 'cancionero gitano'
                                                         federico garcía lorca

Homenagens poéticas
  • Poema V (A Federico García Lorca)- de Hilda Hilst
  • No vosso e em meu coração (a Federico García Lorca) - de Manuel Bandeira
  • Canto a García Lorca - de Murilo Mendes
  • A Federico García Lorca - de Carlos Drummond de Andrade
  • Notícias de Espanha - de Carlos Drummond de Andrade
  • Exercício para García Lorca - de Lindolf Bell
  • A morte na madrugada - de Vinicius de Moraes
  • Morte de um pássaro (Réquiem para Federico Garcia Lorca) - de Vinicius de Moraes


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Poema V
       A Federico García Lorca

Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada
quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu
pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu
que bebi na tua boca a fúria de umas águas
eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei
porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.
Ah! Se soubesses como ficou difícil a Poesia.
Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.
E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória
e cantar de repente: “os arados van e vên
dende a Santiago a Belén”.

Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto
a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:
deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.
Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:
Mas se está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram
Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?

“El passado se pone
su coraza de hierro
y tapa sus oídos
con algodón del viento.
Nunca podrá arrancársele
un secreto.”

E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos
azuis, braços e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!
Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados
de infância, de plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.
Companheiro. Que dor de te saber tão morto.
- Hilda Hilst, em "Poemas aos homens de nosso tempo". São Paulo: Editora Globo, 2003.

§

No vosso e em meu coração
    a Federico García Lorca

Espanha no coração
No coração de Neruda,
No vosso e em meu coração.
Espanha da liberdade,
Não a Espanha da opressão.

Espanha republicana:
A Espanha de Franco, não!
Velha Espanha de Pelaio,
Do Cid, do Grã-Capitão!
Espanha de honra e verdade,
Não a Espanha da traição!

Espanha republicana:
A Espanha de Franco, não!

Espanha dos grandes místicos,
Dos santos poetas, de João
Da Cruz, de Teresa de Ávila
E de Frei Luís de Leão!
Espanha da livre crença,
Jamais a da Inquisição!
Espanha de Lope e Góngora,
De Góia e Cervantes, não
A de Felipe II
Nem Fernando, o balandrão!
Espanha que se batia
Contra o corso Napoleão!

Espanha da liberdade:

A Espanha de Franco, não!
Espanha republicana,
Noiva da Revolução!
Espanha atual de Picasso,
De Casals, de Lorca, irmão
assassinado em Granada!
Espanha no coração
De Pablo Neruda, Espanha
No vosso e em meu coração!

Espanha de Dom Rodrigo,
Não a do Conde Julião!
- Manuel Bandeira, em "Poesia completa e prosa - Manuel Bandeira". Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 5ª ed., 2009.

§

Canto a García Lorca 
Não basta o sopro do vento
Nas oliveiras desertas,
O lamento de água oculta
Nos pátios da Andaluzia. 

Trago-te o canto poroso,
O lamento consciente
Da palavra à outra palavra
Que fundaste com rigor. 

O lamento substantivo
Sem ponto de exclamação:
Diverso do rito antigo,
Une a aridez ao fervor, 

Recordando que soubeste
Defrontar a morte seca
Vinda no gume certeiro
Da espada silenciosa
Fazendo irromper o jacto 

De vermelho: cor do mito
Criado com a força humana
Em que sonho e realidade
Ajustam seu contraponto. 

Consolo-me da tua morte.
Que ela nos elucidou
Tua linguagem corporal
Onde el duende é alimentado
Pelo sal da inteligência,
Onde Espanha é calculada
Em número, peso e medida.
- Murilo Mendes, em "Antologia poética". [seleção João Cabral de Melo Neto; introdução José Guilherme Merquior]. Rio de Janeiro: Fontana; Brasília: INL, 1976.

§

A Federico García Lorca
Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.

Vergonha de há tanto tempo
viveres — se morte é vida —
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.

Lágrimas de noturno orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão-só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.
(Amanhecerá.)

Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
— ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo —
que para sempre viverão
os poetas martirizados.
- Carlos Drummond de Andrade, em "Poesia completa". São Paulo: Nova Aguilar, 2002.

§

Notícias de Espanha
Aos navios que regressam
marcados de negra viagem,
aos homens que neles voltam
com cicatrizes no corpo
ou de corpo mutilado,
peço notícias de Espanha.

Às caixas de ferro e vidro,
às ricas mercadorias,
ao cheiro de mofo e peixe,
às pranchas sempre varridas
de uma água sempre irritada,
peço notícias de Espanha.

Às gaivotas que deixaram
pelo ar um risco de gula,
ao sal e ao rumor das conchas,
à espuma fervendo fria,
aos mil objetos do mar,
peço notícias de Espanha.

Ninguém as dá. O silêncio
sobe mil braças e fecha-se
entre as substâncias mais duras.
Hirto silêncio de muro,
de pano abafando boca,
de pedra esmagando ramos,
é seco e sujo silêncio
em que se escuta vazar
como no fundo da mina
um caldo grosso e vermelho.
Não há notícias de Espanha.

Ah, se eu tivesse navio!
Ah, se eu soubesse voar!
Mas tenho apenas meu canto,
e que vale um canto? O poeta,
imóvel dentro do verso,
cansado de vã pergunta,
farto de contemplação,
quisera fazer do poema
não uma flor: uma bomba
e com essa bomba romper
o muro que envolve Espanha.
- Carlos Drummond de Andrade (26.3.1948). em "Poesia e prosa". de Carlos Drummond de Andrade. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1992.

§

Exercício para Garcia Lorca
Quando o vento das primaveras anuncia as florações
anuncia os girassóis, os araçás, as madressilvas, teus
versos tuas granadas abrindo as veredas de meu país
livre quando não sei, tu és a lua clara obscura lua
clara, as noites que maduram o coração da terra, os
líricos olhos dos touros da saudade, o mar vejo as
estrelas os limões, és tessitura das manhãs, o amado
guia do reino no bosque das virgílias, floresces e
perduras onde o amor perdura, é frágil a terra do
esquecimento, os ventos da primavera voltam sempre
e as palavras tecem teu canto e teu corpo e tua viagem,
e os híbridos frutos de meu país livre quando não sei
esplendem nos olhos do pássaro teu irmão, para sempre
os cardos os pomos, os selvagens rosais dos invernos e
as novas estações dos povos da coragem, as embiras as
timboranas o vento sul as auroras, abriga-me em tua
paisagem onde tudo se anuncia, tu és o dia tu és o dia,
a fava, o fauno, a fala, a festa não fixa de viver e
conviver, o móvel calendário de amar para sempre, tu
és a samambaia nas varandas, o seixo dentro do rio de dentro
o sangue, o fuzil das guerrilhas interiores, e se nos
montes e nos pantanais e nos corações agitas as ervas e
os navios de verdades largas, tu Federico Garcia Lorca,
eu te chamo uma vez só, e isto basta para quem tem
antenas e ouvidos e sabe que o mundo está aqui dentro
mas está lá fora de meu país livre quando não sei, tu
és o gravatá do campo, a flor verde, a bravura de meu
país livre quando não sei, guarida onde me abrigo, rio
dos minérios das minas da manhã, argila das florescências,
espiga dos tempos claros, fruto aberto no esquema
silvestre dos corações, há um solução na garganta
de meu país livre quando não sei.
- Lindolf Bell, em "Incorporação: doze anos de poesia, 1962/1973". Coleção Sélesis, 3. São Paulo: Quíron, 1974.

§

A morte de madrugada
                    Muerto cayó Federico. 
                           Antonio Machado 

Uma certa madrugada 
Eu por um caminho andava 
Não sei bem se estava bêbado 
Ou se tinha a morte n'alma 
Não sei também se o caminho 
Me perdia ou encaminhava 
Só sei que a sede queimava-me 
A boca desidratada. 
Era uma terra estrangeira 
Que me recordava algo 
Com sua argila cor de sangue 
E seu ar desesperado. 
Lembro que havia uma estrela 
Morrendo no céu vazio 
De uma outra coisa me lembro: 
... Un horizonte de perros 
Ladra muy lejos del río... 

De repente reconheço: 
Eram campos de Granada! 
Estava em terras de Espanha 
Em sua terra ensangüentada 
Por que estranha providência 
Não sei... não sabia nada... 
Só sei da nuvem de pó 
Caminhando sobre a estrada 
E um duro passo de marcha 
Que em meu sentido avançava. 

Como uma mancha de sangue 
Abria-se a madrugada 
Enquanto a estrela morria 
Numa tremura de lágrima 
Sobre as colinas vermelhas 
Os galhos também choravam 
Aumentando a fria angústia 
Que de mim transverberava. 

Era um grupo de soldados 
Que pela estrada marchava 
Trazendo fuzis ao ombro 
E impiedade na cara 
Entre eles andava um moço 
De face morena e cálida 
Cabelos soltos ao vento 
Camisa desabotoada. 
Diante de um velho muro 
O tenente gritou: Alto! 
E à frente conduz o moço 
De fisionomia pálida. 
Sem ser visto me aproximo 
Daquela cena macabra 
Ao tempo em que o pelotão 
Se dispunha horizontal. 

Súbito um raio de sol 
Ao moço ilumina a face 
E eu à boca levo as mãos 
Para evitar que gritasse. 
Era ele, era Federico 
O poeta meu muito amado 
A um muro de pedra seca 
Colado, como um fantasma. 
Chamei-o: Garcia Lorca! 
Mas já não ouvia nada 
O horror da morte imatura 
Sobre a expressão estampada... 
Mas que me via, me via 
Porque em seus olhos havia 
Uma luz mal-disfarçada. 
Com o peito de dor rompido 
Me quedei, paralisado 
Enquanto os soldados miram 
A cabeça delicada. 

Assim vi a Federico 
Entre dois canos de arma 
A fitar-me estranhamente 
Como querendo falar-me. 
Hoje sei que teve medo 
Diante do inesperado 
E foi maior seu martírio 
Do que a tortura da carne. 
Hoje sei que teve medo 
Mas sei que não foi covarde 
Pela curiosa maneira 
Com que de longe me olhava 
Como quem me diz: a morte 
É sempre desagradável 
Mas antes morrer ciente 
Do que viver enganado. 

Atiraram-lhe na cara 
Os vendilhões de sua pátria 
Nos seus olhos andaluzes 
Em sua boca de palavras. 
Muerto cayó Federico 
Sobre a terra de Granada 
La tierra del inocente 
No la tierra del culpable. 
Nos olhos que tinha abertos 
Numa infinita mirada 
Em meio a flores de sangue 
A expressão se conservava 
Como a segredar-me: - A morte 
É simples, de madrugada...
- Vinicius de Moraes, em "Poemas esparsos". [organização Eucanaã Ferraz]. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

§

Morte de um pássaro
             (Réquiem para Federico Garcia Lorca) 
de Vinicius de Moraes. Leia AQUI!

§

Saiba mais sobre García Lorca:
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